quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Os meus amigos

"Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante. A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. 

Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim. Para isso, só sendo louco. 

Quero-os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças. 

Escolho meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta. Não quero só o ombro ou o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto não sabe sofrer junto. 

Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis nem choros piedosos. 

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. 

Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice. Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto e velhos, para que nunca tenham pressa. 

Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que normalidade é uma ilusão imbecil e estéril." 

Oscar Wilde


Não costumo roubar textos, prefiro escrevê-los. Mas, nada mais apropriado do que este para aqueles, que não preciso nomear, mas que diariamente têm feito os meus dias mais felizes, menos tristes e intensos, mais alegres e confortáveis. Os meus amigos são pau pra toda obra, espero que os teus também sejam.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Para nunca mais chorar

Eu prometi para a minha mãe que eu não iria mais chorar. Eu consegui. Claro, o que os olhos não vêem, o coração não sente. Então, para ela, eu consegui. Eu prometi ao meu amor também. A mesma coisa. Eu consegui também. O que os olhos não vêem, o coração não sente. Desde então, eu é que não consigo. Eu não consigo parar. Eu não consigo parar de mentir.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Toca Raul!

Ia fazer uma participação especial. Preocupado, um pouco chapado, entrou no estúdio e disse para a banda que não se lembrava da letra e nem da melodia daquela música que iria tocar. A banda, preocupada, e tentando incentivá-lo, logo disse: sai dessa, vamos lá, na hora você se lembra, vai tudo dar certo. Tentaram ensaiar, não deu. Mas ficaram de tentar. Mais tarde, ao subir no palco, quase cinco mil pessoas o aguardavam, o artista então decidiu compartilhar com o público a sua angústia, que não se lembrava daquela música, coisa e tal, quando começa a ouvir do meio do público os gritos: Toca Raul! Não entendeu muito bem, ainda um pouco chapado de mais cedo, mas logo respondeu que não, que ele curtia Raul, mas que essa música não era dele. É outra! Os gritos aumentam sensivelmente, os nervos quase a flor da pele: Toca Raul! O cara, já quase puto, disse: não é Raul, porra! Se vocês ficarem nessa de tocar Raul eu vou embora. Nisso, como já não tinha mais jeito, o caldo engrossa e toda a plateia grita novamente: Toca Raul! Definitivamente emputecido, com o ódio que o tomara por completo, jogou o violão no canto, saiu do palco e a galera, em um coro ensurdecedor, retorna a gritar: Volta Raul!


Livremente copiado e adaptado dos poetas de plantão no facebook.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Sem regras

Às vezes digo sim, às vezes digo não.
Às vezes me embebedo, às vezes fico são.
Às vezes rumo certo, às vezes contramão.
Às vezes me alongo, às vezes sem delongas.
Às vezes vou ao mato, às vezes fico um trapo.
Às vezes com amigos, às vezes inimigos.
Às vezes só comigo, às vezes vou sem-migo.
Às vezes apertar, às vezes amarrar.
Às vezes pra grudar, às vezes libertar.
Às vezes dou um nó, às vezes viro pó.
Às vezes tô aqui, às vezes nem aí.
Às vezes pra nascer, às vezes sem querer.
Às vezes renascer, às vezes pra morrer.
Às vezes acordar, às vezes revelar.
Às vezes me encantar, às vezes dessalar.
Às vezes para amar, às vezes pra esquecer.
Às vezes pra viver, até o entardecer.



segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Quando batem os sinos

Rufam os tambores, levantam-se as bandeiras, batem os sinos. A insônia vem, as borboletas no estômago chacoalham, navalham, devaneiam e esperneiam. A gente não dorme e não encolhe, fica grande e fica mole. A gente, no fundo, não escolhe. Pouco importa a decoração ou o colchão. Os pés ficam fora do chão e, o coração, na mão.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Who´s gonna save my soul?



[numa típica lanchonete americana, sentados um de frente pro outro, ela começa]

- Eu... Eu preciso de espaço... Eu preciso de tempo para descobrir quem eu sou, sabe? Não é você, não é você mesmo. Sou eu. Tipo, eu estou tentando descobrir quem eu sou e não consigo fazer isso se eu estiver tentando te descobrir.

Ele a ouve, mas parece não prestar atenção. Em um gesto indiferente ele se vira para a garçonete que está passando e pede:

- Você poderia me conseguir um outro prato, por favor?

Em silêncio ele pega uma faca e a enfia em seu próprio peito, apoia a faca ensanguentada sobre a mesa, arranca seu coração, o põe no prato e entrega a ela.

- É para você. - ele diz.

Ela continua sem entender o que ele está querendo fazer.

- Você está percebendo que eu estou terminando com você, né?

Ele simplesmente continua a falar:

- É uma coisa estranha... Na verdade, ele é seu agora. Eu não sei porque funciona assim, mas eu nunca vou conseguir te superar. Então de agora em diante, toda garota que eu conhecer vai ser meticulosamente comparada a você, e, infelizmente, nenhuma delas vai chegar a altura da falsa memória do que nós dois "tínhamos".

- Hum, bom... Talvez eu possa ficar com ele um pouco e usar para algumas coisinhas como... Sei lá, se eu estiver tendo um dia muito ruim, se eu precisar de alguém pra conversar ou pra mudar alguma coisa de lugar e então, eventualmente, eu te devolvo quando nós encontrarmos outras pessoas.

Ele pacientemente a responde:

- Infelizmente não vai funcionar desse jeito.

E ela sem entender o pergunta:

- Porque não?

E ele a explica:

- Bem, agora que você tem meu coração, eu sou basicamente uma cavidade vazia por dentro. Na falta de um termo melhor, sem-coração. Eu agora tratarei todas as mulheres que eu conhecer com um comportamento passivo-agressivo, arruinando relacionamento atrás de relacionamento por vários e vários anos.

Há tempos, eu já queria ter colocado esse post. Mas, só hoje achei esse vídeo lindo que um dia recebi de uma amiga. Essa amiga aí conseguiu me ler, me entender e, mesmo me entendendo, me aceita e me adora. Não vou revelar o seu nome, pois nem sei se ela gostaria, mas eu já falei pra ela que a recíproca é verdadeira e que eu a amo.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Confusão

Não sei se é bom ou ruim, mas enfrentar as confusas intempéries da vida faz lembrar-me de você. É, você mesmo, que havia fugido por alguns instantes daí do seu lugar cativo. Meu amigo, convenhamos. Você é descolado, deixa a barba por fazer, pois é assim que as meninas gostam, sempre tenta acompanhar os movimentos contemporâneos daqui da cidade e de todo o mundo. Esta sempre aí. É melancólico que só Deus, um pouco chato, egocêntrico, sistemático e egoísta, no sentido mais leve da palavra, mas, tudo bem, é só às vezes mesmo.

O seu blazer azul, a sua blusa vermelha e o seu chapéu panamá revelam-te belo. Você até tenta fingir, mas no fundo é um cara bem bacana. Só um pouquinho acima da média, que é para não se convencer. Você se amarra em arte, escreve bem, tem um blog, alguns seguidores, bons amigos, bom emprego, mora sozinho, é inteligente e é também sincero, bem sucedido e não tem quase nenhum preconceito. É, mas só quase. Você adora um vinho, uma cerveja, uma cachaça e encara até um champanhe, se preciso for, e quando encara bebe até cair. 

Você fuma, bom, você fuma. Mas, ver você fumar todos aqueles cigarros, confesso, é uma inspiração ininterrupta. Você e o seu cigarro... que dupla, que rito, que passagem, que celebração do seu próprio eu. Ver você te celebrando é lindo. Fiquei sabendo que você adora se arriscar na cozinha e sabe até dançar um pouquinho. Vai para o mato sempre que possível, se joga, mas adora aquelas cidades bem cosmopolitas também. Simpático que só você, transita muito bem entre todos esses universos. Nos movimentos esquerdistas, nas ondas cultas, cults e moderninhas. Tenta se aceitar como tem que ser e encanta, mesmo que só a alguns.

E é assim. Você é um cara que consegue ser sem nunca antes ter sido. E acho também que você se daria ao luxo de transformar-se em qualquer coisa apenas para que se sinta melhor. Vejo também que adora novas experiências, não é? É, vejo que adora e paro por aqui. Percebo uma atitude cotidiana um pouco distante aos nojentos mundanos, uma lealdade absurda aos pares e percebo, ainda, que adora viajar e que, se preciso for, você reflete, reflete, reflete. E também chora, se derrete, se joga no mar, se joga do abismo, se destrói e depois tenta. Tenta se reconstruir. É, mas ver você assim é duro. Você já foi desejado um dia, então carregue contigo a certeza de que o será novamente, às vezes até na esquina da sua própria casa. Mas, lembre-se: se desejar é ainda mais importante.

Sei lá porque eu disse tudo isso, se o que eu queria mesmo era de te pedir apenas uma coisinha. Ao contrário de Vinícius, que se nascesse de novo iria querer um pinto um pouquinho maior, se eu fosse você eu escolheria uma pitadinha a mais de sal, doçura, desapego, amor próprio e de maturidade para assumir que você, espelho meu, também sou eu.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Choro

Hoje eu acordei com uma vontade inóspita de morrer. Têm sido, esses dias, mais difíceis que os outros. Sabe quando a sua cabeça não aguenta mais a sua mente, e a sua mente não aguenta mais a sua alma, e a sua alma não aguenta mais o seu corpo, e o seu corpo não aguenta mais o seu peito, e o seu peito não aguenta mais a dor? É, estou assim, despindo-me de mim, despedindo-me de ser. Não sei o que quero mais, não sei se eu quero mais, não sei o que mais quero. Não sei se aguentaria carregar comigo tudo isso que se passa aqui, não sei se eu fugiria ou ficaria. Hoje eu não sei de nada, sei lá se soube um dia.

Insisti em acreditar que tudo não passasse de um pesadelo, o pior deles, mas hoje só me resta levantar. Não consegui. Não há mais para onde caminhar, não há mais esperança em acreditar. As lágrimas, agora, fazem parte dos meus dias. Já falei de tentar, de me tentar e de todas aquelas outras coisas lindas e tristes que eu já escrevi. Mas nunca imaginei que sofrer me faria sofrer tanto e que um dia eu iria querer livrar-me de mim mesmo como hoje eu quero. Demasiadamente. Estou livrando-me mim, do meu outro e enfiando uma faca brutalmente no meio do meu peito para arrancar essa dor. Agora o sangue jorra no chão e, logo eu, que fui obrigado a prometer um milhão de vezes que iria morrer depois, acabei partindo antes. Eu simplesmente parei, choquei, paralisei. Morri vivendo. Chorei.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Outro

E eu, outro dia, fui trocado por um outro. É, isso mesmo, fui trocado por outro. Um outro. E esse outro não é um outro qualquer, esse outro é você mesmo. É, você aí. Psiu! Fui largado por você e trocado por você. Pelo seu outro. O outro que quisera ontem e não conseguistes, talvez o seu outro de hoje, de amanhã ou o de depois. Aquele outro que o jogaste numa vala, lembra, naquela que estou hoje.

O mais curioso é que, anos atrás, o outro era eu. Semelhança inusitada, o acaso é assim mesmo. O problema é que só conheço aquele outro. Mas não o outro de agora, só o outro de outra hora. Se o pseudo ou o libertino, o falso ou o verdadeiro, não sei. E talvez nem você saiba. E o mais curioso ainda é que esse outro, é, esse de outrora, também continua aí. Há de acordar, uma hora ou outra, cedo ou tarde. Há de acordar outro, diferente do outro de agora.

Você pôde fazer de mim o que quis, você só me fez mudar, mas depois se mudou de mim. Abandonar o outro é cruel, mas o seu outro veio aí e, o outro, o de outrora, foi-se abruptamente sem se despedir. Sei que, se um dia o voltar a ser, talvez eu é que já seja outro. Ou o outro. Ou um outro qualquer. 

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Curtas da enfermaria

Doutor, eu tô doente. Me cura? Mas, você tem o que meu jovem? Muita dor. E dor de quê? De amor. Alguém te largou, o seu amor te deixou? Não, doutor, fui eu.

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Doutor, eu queria que você costurasse o meu peito. Não há como, meu jovem, você está bem e o seu peito não tem nada. Está intacto. Tá aberto doutor, você não tá vendo? Olha direito! Olha! Estou olhando, não tem um arranhãozinho sequer, é só a sua imaginação. Mas, dói tanto doutor, o meu peito precisa cicatrizar. Está sofrendo de amor, meu jovem? Sofrendo não, acho que essa fase já passou. Mas, e mesmo assim o peito ainda não fechou? Não, doutor, é que agora tudo voltou. Rasgou.

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Oi doutor, bom dia. Eu vim me curar. Diga, meu filho, o que você tem? Bom, na verdade, outro dia eu voltei a sonhar e, no final do sonho, com um tiro certeiro na cabeça, eu morri. E depois eu levantei assustado, vi que o mundo todo continuava à minha volta, as veias palpitando, o noticiário da manhã anunciando... Que bom, meu filho. Às vezes sonhar é ruim, mas é só um sonho. Passa. E, me diga, por que quer se curar? Porque acordei.

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Doutora, a minha mulher me largou, eu achei que estivesse bem, mas hoje eu acordei com uma vontade muito grande de morrer. Que isso, não fique assim, sofrer faz parte. Jajá passa. Ah, é? Passa quando? Não sei, às vezes leva alguns meses, às vezes anos. Mas, eu não vou aguentar doutora, quero que passe rápido! Não é assim, tão fácil, tenha paciência que uma hora passa. Doutora, me falam isso todos os dias. Os amigos, os conhecidos, os colegas de trabalho... É, meu filho, passa. Uma hora passa. Ah, entendi. Já é meio-dia e quarenta, posso esperar aqui?

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Doutor, qual remédio que é bom para curar esse meu sofrimento de amor? Não tem nada, meu filho, é só o tempo mesmo. Então me dê duas caixas, por favor.

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Doutor, eu quero voltar a dormir, eu daria até o meu rim. Meu filho, eu vou te dar um remedinho. Não, doutor, isso eu já tentei no outro médico, o seu vizinho aqui, e não deu certo. Então, meu filho, eu vou te receitar alguns exercícios e uns chazinhos calmantes. Não, doutor, isso eu já tentei também. E o que mais você já tentou, meu filho? Bom, na semana passada eu tentei beber. Foi difícil, não funcionou. Anteontem eu tentei ler, mas também foi difícil, não funcionou. Já, ontem, eu não usei nada. E conseguiu? É, consegui. E porque quer algum tipo de tratamento? Porque se eu conseguir de novo, é porque eu vivi. E isso não é bom, meu filho? Não, porque eu prefiro dormir pra sempre do que acordar assim de novo. Assim como, meu filho? Morto.

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Doutor, bom dia. Hoje eu vim fazer uma operação de redução. Eu sou cardiologista, meu filho, você veio ao médico errado. Vou te reencaminhar. Não Doutor, é aqui mesmo. Eu não quero redução de estômago, já estou bem magrinho. Eu quero redução de coração, tem como? Não, isso não tem jeito, você morreria. Por que você quer isso? Porque ele é muito grande, tem muita coisa aqui que eu quero jogar fora. O quê, por exemplo? O meu amor, a saudade, a tristeza, as lembranças. Mas, meu filho, isso não está no coração, está na sua cabeça. Entendi, doutor. Me empresta então seu bisturi?

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Medo

Hoje o céu nasceu nublado, a cidade silenciosa, uma atmosfera sombria. As folhas secas se espalharam pelo asfalto durante a madrugada, abruptamente o inverno vai se despedindo, eu me despindo e, suavemente, a primavera anuncia a sua chegada. A moça varre, a jovem de corpo escultural passa, o pescoço do carteiro entorta e o espectador, com medo, observa.

Desconfiado como só ele, fuma mais um cigarro para ter certeza de que a chuva não vem. Só, insólito e destemido, reflete sobre os medos de outrora. A velhinha na varanda do outro lado da rua - que faz crochê - sorri. Parece-lhe que ela nunca saiu dali. Ele, então, um ser carregado de angústias, lembra-se agora daquele medo da morte que insistentemente incomodava a sua alma. Ele, agora, é quem sorri. E sozinho. Medo da morte pra quê, se até a velhinha – que provavelmente está bem mais próxima de partir – sorri como uma criança ingênua? Ingenuidade sem fim, necessidade até pra mim.

Rapidamente lhe correm à memória lembranças da sua própria infância: os terreiros de café, o colo do vovô, a guerra de travesseiros com os primos, o primeiro beijinho na escola. Sorri mais um pouco e mais lentamente dessa vez. Como a primavera, que traz lembranças do passado e esperanças para o futuro, o sol vem surgindo bem quente, lá no oriente. Já aquela angústia, que minutos atrás permeava o espectador e fazia correr em suas veias um medo intransigente de partir, vai se desfazendo aos poucos.

Somo todos seres adaptáveis, carregados de medos, angústias e falsas verdades, nada como um bom dia após o outro. Um sorriso agora e outro bem maior amanhã. Felicidade é só questão de ser, não há nada além disso que possamos querer. Aqui é o nosso lar, aqui a nós enfrentaremos e a nós aguentaremos. 

O compasso da vida é assim, se aquele sujeito não sabia que coisas tão simples lhe trariam tanto conforto e alegria, pequenos momentos singelos, assim, em plena luz do dia, que devolva logo todas as horas de sono que tirou da sua mamãe. Porque se você vive pensando só no fim, se analisando pelos outros, depositando sua felicidade na culpa de estranhos, outro alguém terá que pensar por você, meu caro. Não tenha medo da morte, não se preocupe: é só questão de tempo, ela virá de qualquer forma.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Sofrer de amor, segundo Caio

Eu te amo e, mesmo relutando, deixei você partir. Mesmo negando, eu queria dizer que não dói mais. Mas dói. Na verdade, eu nunca quis te pedir para ficar, mas eu queria participar de todos os seus dias. Para sempre, pelo menos enquanto durasse. Apesar de me preocupar e ficar ansioso, no fundo eu nem me importo muito com o que pensam ou com o que vão dizer depois. Nem você e nem os outros. Por isso eu digo, de corpo, alma e por todas as feridas não cicatrizadas, que ainda sinto muito a sua falta.

Eu só não queria ter que confessar que tenho lido e relido todas as cartas, visto e revisto todos os filmes, todas aquelas fotografias, as obras de arte e as lembranças de outrora. Eu não queria também que ninguém soubesse que eu contei cada uma de todas as duas mil, novecentas e cinquenta e sete vezes em que eu chorei sozinho. É, chorei muito. Mas acho que foi só por mim, não sei se pela nossa história. Oh, dúvida. Pode ser, também pode não ser. Afinal, tão bonita que só ela, se merece um choro é de explosão. Quanto foi bom! Eu queria mesmo era que ninguém soubesse de nada, de nenhuma vírgula dessa solidão ou dessa sensação de isolo ininterrupto. Mas, se não sou eu a cantar a pedra, quem é que um dia o faria em meu lugar.

Mesmo não ouvindo mais a tua voz, a lembrança de todas aquelas músicas da vitrola antiga, das paredes coloridas e dos versinhos de amor atravessados em plena luz do dia lança-me numa surdez absurda, para um lugar onde só dá você. E o meu ouvido, tadinho, nem cansa. Aqui, meu amor, só dói. Dói lembrar de alguns lugares, uns todos meus e outros todos seus, mas quase todos nossos. Eu envelheço e, quem conhece o meu vício, é bem capaz de entender do que estou falando. Esses lugares são para toda a vida, cativos na minha alma, não é mole. Poderei até voltar lá com outras pessoas, talvez, mas sempre sabendo que essas novas histórias e a felicidade de outrora não alavancariam jamais.

Você ri, não é? Devia mesmo. Pois ninguém me pergunta se eu progredi, apenas se estou bem. Ninguém me pergunta se eu me superei, apenas se eu te superei. Ninguém me pergunta se eu preciso de companhia, sua ou nova, apenas me chamam para beber. E eu, meu bem, eu bebo até cair. Ninguém me pergunta o que de bom ficou do passado, apenas se eu já te esqueci. E o passado, também, só me pergunta se acalmei. Se estou mal, ninguém pergunta. Se eu chorei, ninguém questiona. Se eu sorri, ninguém comemora. E se eu viver, é fato, o mérito será só meu.

Conheço bem a mim e ao meu passado. Algumas coisas mudam, o desejo pelo novo impera, mas lá na beiradinha da costela ou no fundo do seu útero, ei de alcançar e entender tudo de novo. Eu gostaria de saber como vai você. Coloco na balança, peso, vejo que tudo aquilo que nos proporcionamos valeu a pena: intensidade de uma boniteza sem fim. Por mais que você fique onde está, todas as suas marcas ficarão aqui. Intactas. E isso eu grito bem alto, desenvergonhado, e doa a quem doer.

Hoje a vida segue. É um dia após o outro, um choque aqui, outro acolá, o bom da vida é ser assim: um desequilíbrio constante. Mesmo que tentemos apagá-lo, meu caro passado, não há nada a jogar fora. Pelo contrário, é esperança estagnada que uma hora há de acordar. Bonito mesmo é dar conta de viver, trapaceando-me quando necessário, enganando-me quando preciso, e conseguindo vomitar tim-tim-por-tim-tim até a última gota, até o fim.

O mundo fica pequeno diante de tudo o que se passa aqui. Dói muito, é, mas passa. Dói e não é pouco. Não vou me enganar na progressão também. Eu só queria mais uma coisa, por fim. Eu queria que você soubesse do tanto amor que eu ainda tenho por você, que eu aceitei que nunca irei te esquecer e que você sempre estará dentro de mim. Mesmo estando longe, eu te amo. E talvez ame para o resto da vida, por mais que a recíproca não seja verdadeira. Eu amo mesmo e, não se engane, também talvez te odeie. Mas isso eu não sei. É, acho que não. Só sei que eu achei que seria bom te contar tudo isso, que é para você sentir o quanto é bom saber que existe dentro de alguém, mesmo com todas as controvérsias, e que esse alguém sou eu.

Afinal, você me chamou de lindo em grego, em romeno e até em pataxó. E eu, bom, eu acreditei. Mas, a vida lá fora me chama. Afirmaram-me, há pouco, que o luto é necessário, é presença firme e forte. Com a sua licença, agora, devo retirar-me. Vou lá encará-lo.

 Confesso que não conhecia Caio Fernando Abreu até outro dia, mas me reconheci nos textos dele e acabei por me sentir a sua cópia mais fiel, por mais que nunca antes tivesse lido a sua obra. Agora que o conheço, senti-me na obrigação de tentar copiá-lo, mas agora de forma cuspida, escarrada e pra lá de escancarada. Um texto meu, mas livremente inspirado em seus pensamentos, em sua alma, em sua melancolia.


Caio, obrigado.