domingo, 30 de outubro de 2011

Possante vermelho

Comprei o meu carro novo. Foi anteontem, num movimento silencioso, só, abrupto. Fui sozinho até a concessionária, num movimento como de quem não queria nada, bem rápido, ágil e eficaz, cheguei, escolhi e comprei. Simples assim, muito embora difícil. Por dentro. Eu acho que no fundo eu ainda não estava preparado para isto, as minhas reservas tinham outro destino, é verdade, mas fui acabar ali, naquela loja um pouco distante de casa, sozinho, com o meu cigarro, a minha carteira, as minhas manias e todas as incrédulas dúvidas que ainda me acompanham. Pareceu-me, analisando agora, mais um dos meus atos conscientemente inconscientes.

Não sei bem o que eu esperava de mim mesmo nessa hora, não planejei direito, não tinha a menor ideia de quais sensações iriam me tomar. Foi mais um dos muitos rompimentos que tenho vivido – muitos mesmo, é natural -, ainda não consigo decifrar-me e entender se estou feliz ou triste, aliviado ou um com uma pitadinha a mais de angústia, não sei mesmo, afinal é o meu primeiro bem de vinte e poucos e, convenhamos, tem lá o seu valor. Vale exatamente vinte e poucos. Acho que eu devia sentir-me bem. Mas não, parece-me que não, é justamente o contrário, é meio estranho observar-lhe, ainda de fora, e tentar entender o motivo daquele tantão de portas, do ar-condicionado, do motor um ponto quatro, das rodas de liga-leve tão bonitinhas. Eu não preciso delas - e talvez nunca precisarei - e por isso é mais estranho ainda. No final das contas, eu acho mesmo é que eu é que sou o estranho dessa parada.

Mas, agora que não tenho mais como fugir, afinal já o fiz, mais uma das minhas esquisitas rebeldices, e sabendo, mesmo não querendo assumir, que é esse aí que vai acompanhar-me nos meus dias até o trabalho, até o boteco do bairro vizinho, até a galeria de arte que tanto tenho frequentando, até o supermercado, sabendo que ele é que vai esquentar-me em algumas noites frias, salvar-me das próximas tempestades que virão, que é ele que vai comigo para a praia, para a lama, para a roça, para o mato, será o meu companheiro e vai induzir-me até em casa, só ou acompanhado, em quase todos os próximos dias da minha vida. E só nos próximos dias mesmo, pois ainda não sei bem – na verdade, não tenho a menor ideia - o que será de mim de agora em diante, nos próximos meses, nos próximos anos, e agora dele também, pobre coitado.

Sei que ele será mais um desses meus fieis escudeiros que tanto tenho esforçado em cativar. Ainda não estou íntimo, e talvez por isso eu não esteja tão empolgado. Sei que dentre todos os acessórios – e são muitos, esses vendedores são bem sapecas e conseguem enfiar-nos tanta coisa goela abaixo, é impressionante – eu só fazia mesmo questão de uma coisa: da cor. Eu quis um vermelho vivo, intenso, cruel, paixão, meio intelectual, meio de esquerda, como do post aí de baixo, diferente, vivo. Busquei vida, acho que foi isso. Eu estou um pouco cansado desse mundo de gente tão igual e tão careta, tão cafona, tão normal e tão banal, acho que eu andava precisando de um pouco de destaque, de risco, precisando ser um pouco diferente nessa vida, assim, sair do padrão. De pretos e pratas, essas cores mortas e mórbidas, iguais, já me bastam os do vizinho, do advogado ou do padre da paróquia aqui do lado de casa, esse povo todo chato, brega e igualzinho entre si. Eu ando não gostando - agora um pouco mais do que antes - desse povo muito, assim, equilibrado. Eu já falei outrora que o meu equilíbrio está justamente no meu desequilíbrio, vou lá busca-lo novamente, acho que foi por isso que o comprei. Querendo ou não, pelo menos pra mim, pelo menos agora, lá vou eu, eu e ele, a gente, insistindo novamente, sozinhos, a caminhar e tentar encontrar um dia, quem sabe, um fusquinha ou uma dessas lambretinhas românticas, charmosas e intelectuais para namorá-lo.


Se alguém souber de algum pretendente, o vermelho possante que eu comprei é esse aqui ó... de uma boniteza sem fim!

;)

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