quarta-feira, 30 de novembro de 2011

As leis de incentivo e as peripécias da sala ao lado

Não leve a sério, leia na boa, sem preconceitos, é só mais um desabafo com pontinhas de verdade. Encare esse texto como quiser, ou como puder, tenda a divertir-se. Se não rolar, queime-o depois de ler, tá tudo certo. Mas se gostar, querido companheiro, compartilhe-o e vem comigo, porque o barco já tá saindo.

Novembro está acabando, hoje é dia 30, o último para inscrevermos propostas para a lei rouanet no salicweb, o sistema virtual do MinC. Depois disso, meus camaradas, só em fevereiro do ano que vem. Não deu, blau blau. “E o seu, já foi?”. Essa era a pergunta do dia na rádio-peão da empresa. “Não, não foi”.

E o dia começou bem, estávamos todos naquela levada de ú-hú!, oba-oba, vamos conseguir, o ano está acabando, coisa e tal, mas próximo da hora do almoço eu comecei a suspeitar das meninas aqui da sala ao lado, certos movimentos sigilosos, sensíveis mudanças comportamentais – e são todas meninas, mas aparentemente não estavam de tpm -, o vazio e o silêncio sobrepunham-se àquele singelo clima do início do dia. Fiquei preocupado, pois elas se prepararam arduamente nas últimas semanas para enfim tirarem férias do salic, aquela coisa toda, e aos poucos fui vendo as suas faces murcharem, não eram mais tantas flores assim, começaram a se tomar por um ódio espinhento e demasiadamente único. São todas dóceis, adoro-as, mas assustei-me quando comecei a ouvir gritinhos algo do tipo “o salic não funciona!”, “essa merda trava toda hora!”, e coisas um pouco piores também, do tipo censuradas-para-cidadãos-em-níveis-avançados-de-interação-com-o-salic e que nutrem certa simpatia por ele, como eu, aquele bonitinho de uma figa. Achei tudo um pouco estranho, eu costumo defender o salic, então comecei a dar alguns telefonemas para passar a limpo, entrei nas redes sociais, alguns outros amigos estavam emputecidos também, ouvi vários “porra, caralho, essa merda não funciona!”, “avisa o MinC aí que eu vou mandar matá!”, “#foraanadehollanda!”, e por aí vai... Pronto, ferrou, queimei a língua de novo.

O salic é lindo, foi criado com a melhor das intenções, queriam evitar os mais de 10 mil projetos em trânsito (e em papel) de outrora, dar celeridade a certos processos, pois cada análise demorava cerca de quatro a cinco meses, para se conseguir falar no MinC era preciso quase que um parto, “moço, morrendo, me atende!”, quando não comprávamos passagens e íamos lá em Brasília apenas para perguntar “e aí, como está o meu projeto?”, “está em análise sr., próximo da fila?”. Ponto final. Era duro. Mas ele veio aí, mesmo aos trancos e barrancos, desburocratizou e melhorou a nossa vida. Tornou possível uma gestão de gente grande nesse universo artístico pra lá de capenga.

Só que, especialmente em dias como hoje, fica um quezinho de falta – e aí não é uma crítica direta ao poder e nem a ninguém em especial, mas ao processo -, fica essa sensação do avanço pela metade, falta algo, sinto que me deram a carcaça apenas, algo bem parecido com aquelas novelas mexicanas que assistíamos na telona, na adolescência, e que do nada mudaram para o HD. A cara mudou, ficou linda, mas e por dentro?

E aí hoje, no calor da situação, de uma forma bem passional e nada coerente, resolvi falar das leis sem preocupação com dados ou detalhes, e não venham me pedir para aprofundar-me em outros mecanismos, na política, etc, eu quero só falar delas e me dei esse direito. Costumo chamá-las de ferramentas de sobrevivência. Porque, no final das contas, é isso que mesmo que elas são. Dependemos. E como em matéria de sobrevivência não se brinca, é sempre prudente e saudável que se coloque alguns pingos nos is e que se jogue um questionamento ou outro.

Penso, então: por que o salic fecha de dezembro a janeiro? Eu não esperava por isso. E logo a lei rouanet, que sempre foi celebrada por receber propostas o ano todo, afinal a caixa da isenção fiscal nunca fecha, nunca conseguimos captar tudo... A resposta é que existem processos internos importantíssimos a serem feitos nessa época, em tese a classe toda está de férias (?), tem a questão orçamentária, enfim, processos. Eu até entendo, só não concordo muito. Porque existe uma coisa – e aí a carapuça pode servir para a lei municipal e para a lei estadual também – que se chama o arranjo do caos, a adequação às especificidades e às peculiaridades da matéria, no caso o nosso mercado. A minha bandeira passa muito por aí: aceitem o caos, queridos companheiros! Por que não? Todos sabemos, no final das contas - e isso não se muda da noite para o dia - que é no 2º semestre que as coisas acontecem. A maioria dos festivais, as montagens, as peças, os prêmios, quase tudo. E aí não podemos dar as costas e aceitarmos esse finge que finge, me deixa, o outro empurra, “beijo, não me liga”, enquanto ficamos todos nesse corre danado.

Entre julho e agosto, por exemplo, temos a lei estadual. 45 dias. Ufa, é uma correria só. E é justamente quando estamos em produção, é quando geralmente – muito embora raramente - conseguimos captar algum dindin, e aí temos que parar, ficar madrugadas adentro escrevendo, escrevendo, escrevendo, dando uma ajeitadinha na produção também, sabe como é, a gente dá um jeitinho pra tudo. Mas, precisamos? Por que a lei estadual não é igual à lei rouanet, por exemplo? Por que a lei rouanet não é igual antigamente? Por que não ficam abertas o ano todo e utilizam os mesmos processos e formulários, proposta que faço a tempos? A resposta é aparentemente simples: não possui uma comissão fixa, não tem orçamento, não dá para ter pareceristas externos, etc, etc, etc. A gente entende, tamo aí pra discutir mesmo. Mas eu, particularmente, fico com uma pulga atrás da orelha, pensando se não seria bem mais fácil batalhar por uma estrutura de análise diluída ao longo do ano do que ficarmos nesse sofrimento de escreve-se-em-45-dias-dá-o-sangue-sua-quase-morre-depois-avalia-se-em-90-dias-angustia-se-todo-o-mercado-e-o-resultado-só-sai-perto-do-natal...

Pois é, na lei municipal é a mesma coisa. Um pouco pior, na verdade, pois é lançada quando a outra ainda está aberta, e aí é um deus nos acuda mesmo, a sorte é que todo mundo fica copiando e colando – e isso é óbvio pra chuchu – com o trabalho ainda de ficar adequando textos, reduzindo alguns caracteres porque os formulários são diferentes... deixa pra lá!

Outro dia, ouvi: “por que os senhores não se planejaram antes?”. Claro, devíamos. Concordo, mas só em partes. Não existe aquela máxima do tratar o diferente como tal? Princípios e princípios, meus camaradas. Porque enquanto você está aí do lado de trás do balcão, eu poderia estar me planejando, certo? É, senhor, exato. Pois é... Mas, infelizmente tem o acaso, a vida é assim mesmo, sabe, tive de fazer uma escolha entre conseguir executar o atual projeto – porque eu preciso pagar contas, o meu filho precisa ir para a creche, a gasolina aumentou, aquela coisa toda – a ficar me planejando para escrever os novos, sabe como é, não sobra muito tempo e hoje em dia só dá para viver de duas coisas, da comida e da lei, né dr.? Aí, moço, o planejamento ficou de lado, não deu, tive que correr de última hora. Que merda... Seja bem-vindo ao nosso universo.

Então batalhemos. Porque, meus caros, dói muito ouvir coisas do tipo “inscrever projeto no último dia é igual ao imposto de renda, se deixar para a última hora corre o risco de não conseguir”. Pera lá, seu guarda, se você me deu um prazo até o dia tal eu tenho direito por lei, tá lá nas instruções, nas súmulas, nos editais, em todos esses processinhos aí que confundem a nossa cabeça! Essa pauta aí é para outra seara, como já falei acima, o prazo é o prazo e o fato é que o salic, hoje, aos quarenta e sete do segundo tempo, pifou. Pifou antes até.

Coisas como essas me fazem lembrar da época dinossáurica – como ainda é um pouco com a lei estadual e a lei municipal –, lá pelo menos poderíamos recorrer aos lápis, às máquinas de escrever, grampeadores, ficaríamos desesperados porque a tinta acabou, correríamos, faríamos a agência de correios nos esperar, aquela história toda. Se a pauta for a organização e o planejamento, aí vamos para um outro lugar. Estamos apenas falando de um sistema que não funciona direito. E ponto. Afinal, meus caros, vocês não podem querer exigir esse parangolé todo de uma classe que não tem nem 1% do orçamento, pode Arnaldo?

Portanto, devastemos essas churumelas, gritemos mesmo, passemos por cima, quem mata cachorro a grito todo dia é a gente, e que depois ainda vai captar, vai pro palco, produz, tudo junto e misturado, e também presta contas no final de tudo. E isso não é porque queremos, é porque é o máximo que podemos. As leis são parte da minha vida hoje, trato-as como pessoas, tenho certa intimidade com elas e por isso eu tomo essas dores. Me chateia muito tudo isso. E o pior é saber que de momento não temos muito para onde caminhar, é como se exigissem que fôssemos todos formados pela Fundação Getúlio Vargas, enquanto alguns de nós ainda precisam vender os sapatos para subir ao palco. Aqui não é sanitário!

terça-feira, 29 de novembro de 2011

A professora Anália

Outro dia eu voltei à Varginha, onde vivi até os dezessete, acho que há uns dois meses, fui ser padrinho de casamento do Terezo, um desses caras que eu também adotei tipo pra vida inteira, e acho que ele a mim, foi o meu melhor amigo por toda a infância e, junto com a Juju, ambos são meus primos, forma a minha dupla de irmãos. Fiquei feliz da vida e empolgado, comprei presentes, balas, cachaças e engovs, era a segunda vez que eu ia ser padrinho, acho que já estou ficando experiente nessa história, só assim mesmo. Saltitante, eu mandei passar o terno e engraxei o sapato, sabe como é, afinal o Terezo é o Terezo, e vice-versa, ele merecia. E já fazia algum tempo que eu não voltava à Varginha, sempre ia como um foguete, um beijinho e tchau, mas a possibilidade de rever os velhos amigos e a família me aguçou, aquela coisa toda, ia ter festa, u-hú, fiquei contando as horas.

O que eu não contava, na verdade, é que eu iria ter a boa surpresa de rever quase todos os professores do tempo da escola, do jardim ao terceiro ano. E chegando à igreja, pouco antes de cruzar a linha de chegada, acho igreja um saco, me deparei logo com a tia Hilda, que é a mãe do Terezo e tentava me ensinar química, mas eu não aprendia, isso é outra história, ela adorava fazer experimentos inusitados e mandar todo mundo para o chão: vai explodir! Eu ri sozinho, olhei para o lado e vi que alguns amigos sentiam o mesmo que eu, entrei para a fila indiana dos padrinhos, o meu casal era a Juju, e começamos aquele desfile um pouco aflitos, é verdade, demos mais alguns passos, me deparo logo com o professor Venturato, que situação, o Venturato dava aula de história e era uma espécie de delegado da escola, estava em todas as esquinas ao mesmo tempo, foi ele que me pegou pela primeira vez fumando escondido na sala do maternal e matando aula no campinho atrás da escola. Ele era foda, devia ir pro Bope, o Nascimento tá por fora. Dei mais alguns passos, e aí era o Fredão, eu adorava ele, me introduziu à matemática, à física e à peteca. É, peteca, já fui bom nisso... Ao lado dele estava a tia Sílvia, que era a general do time de basquete feminino, todas as meninas tinham medo dela, exceto as pupilas e, em fileira, outros tantos profs lado-a-lado. Não me lembro agora quem mais estava lá, mas era como se eu tivesse voltado uns quinze anos no tempo, me senti meio que um Marty McFly num corredor polonês, mas também senti muita nostalgia, o tempo passa, eles são mais ou menos como aqueles atores mirins que a gente acha que nunca vão ficar velhos, muito menos morrer, tipo o Macaulay Culkin, mas eles envelhecem, é meio deprê, é foda, acontece.

O casamento foi um sucesso, muita festa depois, o Terezo ficou feliz da vida, eu fiquei, todos ficamos, e um pouco bêbados também.

Mas o mais curioso é que, a partir desse reencontro, se posso assim chamar, eu comecei a lembrar-me também de outras feras que também participaram desse processo todo de tornar-me gente grande, e aqui só vou citar a Helenice - que eu amava tanto e se foi - que, junto com o Fredão e outros, me apresentaram o belo universo dos números, ao qual me embrenhei, foram meus tutores de matemática, e eu amava matemática, até me sagrei como o melhor aluno da escola, nesse quesito eu era tipo assim uma estrela. Pop-star. Mas o tempo passa, a gente muda, os gostos mudam, as vontades, tudo muda, tudo passa. E hoje eu poderia falar mais deles ou de muitos outros, mas paro as citações por aqui, meio que abruptamente, pois lembrei-me da professora Anália.

Anália não estava lá, não deve ter sido convidada, ela foi uma dessas que passou como um furacão na escola e eu tenho certeza que a maioria dos coleguinhas daquela época, incluindo o Terezo, pode não se lembrar dela. Acho que ela me deu aula durante um ano apenas. Mas eu lembro – e agora como se fosse ontem -, foi uma saudosa e gostosa passagem, muito embora rápida. Eu nunca fui de ler na adolescência, muito menos escrever, eu devia ter uns quatorze ou quinze, e Anália, que era professora de Literatura, me passou “Um copo de cólera”, do Raduan Nassar, para fazer um fichamento – ou uma resenha, ou um resumo, ou qualquer coisa parecida - e eu meio tedioso topei e, num movimento mega-contraditório, acabei adorando aquele livro, não tinha pontos finais, eu lia, lia, lia, e não conseguia parar, acho até que a minha escrita hoje tem muitos vestígios daquilo, tenho fortes traços linspectorianos, abreuninos e nassarentos, com vossa licença, mas foi ali que debutei e, no final das contas, a primeira a gente nunca esquece.

E a Anália não dava muita bola para mim, achava que eu era mais um daqueles rebeldes sem causa, mas quando entreguei o trabalho percebi um certo ar de surpresa. Fiquei ansioso e, dias depois, ela chegou com a nota e o único dez da turma tinha sido meu. Um susto. Como assim? O meu negócio é número, professora! Anália, com um ar de “tô nem aí”, mas com um sorrisinho bem maroto do tipo esperançoso e animado, lembro-me bem, me disse a seguinte frase: “menino, você é brilhante, eu não sabia, me surpreendi, você vai longe, pode ser um grande escritor”. Naquela época aquilo não fez o menor sentido, eu gostava mesmo era de me revezar entre o xadrez, a peteca e as bebedeiras, eu mesmo me achava um rebelde sem causa, comecei cedo, então eu é que não dei a menor bola para ela.

E mesmo sabendo que eu ainda esteja bem longe disso, tenho os pés no chão e poucas pretensões, acho bem maluco tudo isso, esse negócio de destino, então hoje o que eu queria mesmo era dizer para a Anália que eu lembrei-me disso tudo outro dia, dessa história confusa e que, de alguma forma, a carapuça me serviu. Anália me despertou para esse universo, fiquei estagnado, sei lá, por uns dez anos, mas voltei, lembrei-me dela, dessa passagem, e devo-lhe no mínimo um afeto. A professora Anália nem deve saber disso e, provavelmente, esse post nunca chegará até ela, mas mesmo assim eu quero agradecê-la, singelamente e com palavras, não poderia ser diferente. Eu queria revelá-la que, no final das contas, as palavras dela, simples e diretas, fizeram acender-me uma chama, mesmo que pequena, para que essas mesmas palavras, agora minhas, quem sabe um dia, possam levar-me onde eu quiser, a qualquer lugar, rumo ao incerto. E façam, quem sabe, com que essa fogueira que hoje é o meu peito, e que um dia foi acesa meio que sem querer, não se apague nunca mais. 

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Agora

Tenho me revezado entre o silêncio e a explosão, esse é o meu equilíbrio de momento. Estou me dando bem comigo nessa vida, hora em busca do passado, hora em busca do futuro, hora despindo-me de quaisquer planos ou ideias mirabolantes. Eu não escrevi nos últimos dias, a Mafalda e o Vinícius me ajudaram, me safei dessa, eu não estava nada inspirado e nem um pouco motivado, é que às vezes eu me ausento de mim, eu posso, acho até que está bem assim. Eu quis ficar um pouco no silêncio.

Mas aí eu tive alguns reencontros no fim de semana, todos do ontem, nenhum do agora, foram bons, nostálgicos, rever alguns velhos amigos da infância foi danado de bom. Esses encontros revitalizam, me jogam em explosão, tanto é que hoje eu volto a escrever. Mas hoje está chovendo desde ontem, bastante, e eu tremo só de lembrar que durante aquela tempestade da madrugada passada roubaram o estepe do meu carro, mas e daí, eu devo mesmo é esquecer, comprar outro, começar tudo de novo, daqui a pouco eu tenho reuniões importantes, acho que eu não estou tão preparado quanto devia, essa semana vai ser da pesada, mas eu vou passar por todas essas, e de agora em diante vou ter que revelar-me em cento e quarenta caracteres também, algo inédito, é um desafio, não vejo a hora.

O fim do ano chegou, está aí, e com ele as festas, o novo, as demandas pendentes, outros encontros, reencontros e talvez algumas coincidências, espero, e aí eu começo a ficar empolgado, mais para a explosão do que para o silêncio, é hora de jogar-me, talvez, mas se não der não tem problema, o próximo ano está logo ali, faltam só alguns dias, e aí eu tento de novo, e para me preparar eu já fiz uma lista de coisas que eu tenho que mudar em mim, na minha casa e nos meus planos, mas lembro-me também que sequer terminei as minhas prioridades para este que se vai, mas e daí de novo, se eu não conseguir não tem problema, eu pelo menos tentei. E só eu mesmo, nesse universo dos nada sei, é que vou me lembrar de tudo isso, fingir que nada sei, pegar o meu tênis velho, brincar de escalar a montanha, subir no mais alto dos edifícios, gritar, e depois dar boas risadas, pois o tempo passa, eu sei que passa, mesmo não querendo, tudo passa, uma hora passa. 

domingo, 27 de novembro de 2011

Para viver um grande amor

Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher, pois ser de muitas, poxa, é de colher, não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito, é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor. É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo e, depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto, pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo, mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia, doce e conciliador sem covardia, saber ganhar dinheiro com poesia. É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que, que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva obscura e desvairada não se souber achar a bem-amada.

Para viver um grande amor.




É Vinícius, eu também te amo muito. Obrigado por poupar-me do post de hoje.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Não sabe brincar, não desce pro play

Não é Deus, não são os orixás, o rivotril ou as drogas que te dirão quando tu poderás voltar ao play, é só o tempo mesmo. Eu não soube brincar, não pude descer, e nessa de esperar, ou de não saber esperar, de deixar o tempo passar, eu continuo ali, tão sempre e perto, longe, preso na minha loucura. Tem dias lindos, como o céu azul de ontem que poderá durar a primavera inteira. Tem dias negros, com nuvens cinzentas, como o de hoje, que poderiam durar todo o verão. O tempo é macho, ele não está nem aí para você. Então não dê manotas, não tente fingir manobras, não há como enganá-lo. Ele está aí, está em todos os lugares, ele é quem manda nessa porra, seu zero-meia duma figa. É um processo, eu avisei. E eu até acho, no final das contas, que o mundo dá voltas, que tudo volta ao começo, ao que já foi um dia. Sem pretensões, sem confusões, sem angústia, sem nada. O começo é tudo, e tudo ao mesmo tempo pode não ser nada, então não se desespere, dê tempo ao tempo, comece de novo, e se não der tente novamente, e assim por diante, até que um dia ele te concederá uma licença dessas de governo, por tempo indeterminado, mesmo que tardia, para que você possa, enfim, chamar o elevador novamente. "Moço, tá descendo pro play?"

terça-feira, 22 de novembro de 2011

À procura


Eu parei de procurar a morte, esqueci-me de buscar a vida.
Eu parei de procurar o novo, desisti de remexer o velho.
Eu fiquei no meio, e meio é equilíbrio.
Eu parei de procurar em tudo.
E assim, talvez, enfim eu consiga achar.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Tudo junto e misturado, é um processo.

Hoje eu acordei empolgado para escrever, pelo passado que brutalmente veio à tona, por tantas e tantas outras novidades ao mesmo tempo, a inspiração que vinha do nada no meio da tarde, mas aí segundos antes, e antes mesmo que eu abrisse o rascunho, acabei entrando em um outro blog, de uma amiga, e saí um pouco mais reflexivo do que empolgado, confesso. Sem poesias por hoje, eu fui à lona.

O texto não é nada triste, é lindo e simples, mas sei lá, entrei nessa vida da escrita há tão pouco – muito embora já esteja querendo arriscar-me num livro de gente grande, é verdade -, e a cada dia que passa me surpreendo com pequenos detalhes. Hoje, o que me surpreendeu foi a semelhança do processo dela com o meu. Escritas semelhantes, coincidências, verdades malditas, mal ditas, todas essas interconexões moleculares e as diversas formas que usamos para falar constantemente – mas nem sempre - das mesmas coisas, sei lá, de dois ou três sentimentos, talvez uma meia dúzia.

E como somos criativos, divertidos e diversificados. Não só eu e ela, a minha amiga do outro blog, mas você e todos os outros milhares (ou milhões? ou bilhões? ou todos nós?) que também se arriscam na escrita por aí. Eu não minto, é intrigante. Tem uns que são barangos, é verdade, outro dia no escritório mesmo eu me deparei com uma frase daquelas do tipo de autoajuda pregada na porta da cozinha, na porta do banheiro, em todos os lugares, ela me perseguia, sabe, era uma coisa trash do tipo “autor desconhecido”, arghh. Mas esses são as exceções, pois a maioria, no final das contas, acaba sendo legal. A gente se vê nos outros, os outros se veem na gente, é uma salada mista e uma montanha, literariamente falando, russa.

E talvez não haja nada de novo nisso, talvez nem a minha escrita seja, é um processo muito parecido em qualquer lugar, com qualquer um, somos todos meio que iguais, mesmo sendo diferentes. Mas mesmo assim decidi confessar algo bem íntimo, afinal estou me vendo nos outros cada vez mais e isso me estranha. Mas me excita também. Estou começando a decifrar-me e decifrar a similaridade dos meus textos com os seus, com os da minha amiga do outro blog, com os de todos os outros, acho que também já ouvi isso antes, e não estou nem falando da escrita, da estética, das artimanhas ou da maneira. Nada disso. Estou falando do processo. Esse mesmo processo que nos levou a vomitar, a levantar, a acalmar, a inspirar e a tantos outros verbos terminados em ar que aqui poderia citar. É um processo longo que se chama tempo e vai tomando forma de pouco em pouco, de gota em gota, é o novo que vai se materializando, tudo vai passando lentamente, como o café que a vovó fazia no filtro de pano, é o transbordar em forma de arte e é o entregar-se ao mundo em forma de palavras. É revelar-se de uma forma do tipo “me empresta o seu peito, porque a dor não tá cabendo só no meu”.

Mais uma vez o texto do blog dessa minha amiga me pegou. Mesmo sós ou acompanhados, todos nós, cada um cada qual, eu, você, ela e todos os outros, concordamos em seguir em frente. Temos que. Queremos, é evidente, sinto-me par de todos eles nesta empreitada. Tu daí, eu daqui, ela de lá e outros tantos e tantos em outros tantos e tantos lugares do mundo armando estratégias minuciosas, se munindo de ferramentas, de armas, de palavras e de coragem para um dia, simultaneamente, quem sabe, atravessarmos a ponte.

E se tudo der certo, e vai dar, eu vou de carro, você de espaçonave, ela vai de bicicleta, o betão vai de kombi, liga pro marquinhos que ele dá carona, ele tem uma van, a antônia vai de avião, o jones de caiaque, o cirilo vai de perna de pau, o mequinha de charrete, a marthinha vai à pé, nós vamos, vamos todos juntos, formaremos um exército ou uma trupe, mesmo separados, sei lá, do tipo tropa de elite, o rumo é o mesmo e quem sabe à noite, talvez, a gente não se encontre por lá?

A minha amiga de escrita é a Ludmila Azevedo e o texto que eu falei é esse aí ó... Ludj: All by myself

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Matéria de amor

Em matéria de amor, não prometa nada. Falo por experiência própria. Eu prometi algumas vezes, foi muito bom, eu me dei bem. Gozei muito. Mas depois me dei mal também, foi um pouco ruim. Então não falo só por mim, ou pelo meu amor, ou pela flor que murchou no outono passado, a flor do lado de lá, eu falo por todos os que já amaram, e que por amarem prometeram, e que por prometerem quebraram a cara.

Em matéria de amor, não prometa nada. É simples assim. Mas se essa menina malvada que insiste em cutucar as suas entranhas, chamada paixão, ou tesão, insistir com frases do tipo “se jogue, você não tem nada a perder”, então se jogue meu caro, você não tem nada a perder. É simples assim. Se entregue, prometa, se prometa. Sinta-se vivo, viva, transcenda a inutilidade apropriada e essa carapuça que te serviu desde que o último amor se foi. Se jogue. Mas se o fizer, que o faça necessariamente com uma pitadinha de bom humor e de amor próprio também. Vai te fazer bem.

Em matéria de amor, não prometa nada. É a minha vã sensação. E se amar, prometa, e se prometer, ame, se ame, para sempre, mais do que aos outros. E se o fizer, e que o faça, pois poderá ser gostoso, se derreta, se divirta, se aceite. Eu torcerei daqui, de longe, sorrindo, para que, prometendo, a si mesmo ou aos outros, que faça figas e tenha sempre os dedos cruzados e um sorriso oculto bem maroto escondido atrás da sua verdadeira face, como daqueles movimentos maduros em que compreende minuciosamente cada detalhe do que está fazendo. Pois a sua maior promessa ainda está por vir, tenha certeza, ela sempre estará, ela está por aí, no meio de tudo, na sua alma, no meio de nada. Ou não.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O meu amigo Matias

Hoje é aniversário do Matias. Ou Mateus, para os mais íntimos. O Matias é um daqueles caras que tem, tipo assim, um coração do tamanho do mundo. Matias está no top três, isso eu não posso negar. Faço questão. O Matias é um pouco sem limites, toma todas, mas é assim que a vida é bonita. Ser sem limites. E ele é. Pelo menos quando está presente. Pois quando não está, certamente está tramando mais um dos seus loucos projetos, que sempre vêm à tona, como resolveu ser piloto de avião outro dia ou se arriscar nas estradas da vida, também, rebocando alguns infelizes. O Matias é assim, foi rebocado pela vida. Precisa se libertar de algumas coisas, é verdade, eu já falei com ele, mas quem não precisa?

Matias é maduro em alguns aspectos e muito imaturo em outros. Ele consegue ter uma das imaturidades que eu mais almejo, o desapego, eu tenho inveja. Ele não está nem aí. Chega atrasado num movimento como daqueles de quem não entende nada, te faz esperar, marca e desmarca de última hora, esse é o Matias. Ou Mateus, porque eu prefiro assim. Mas, ao contrário, é companheiro também. Se necessário for ele te leva até Belém, te devolve quando está bêbado, fica no hospital até a madrugada se preciso for, chora junto, ri junto, viaja junto. Ele até se dá ao luxo de se refrescar em plena chuva, não tem problema, porque depois seca, ele não tá nem aí. Entra de corpo, alma e a cara mais lavada do mundo naquilo que lhe faz bem.

Matias ainda vai crescer. Muito. Não tenho dúvida. Um dia ele pegará um desses aviõezinhos aí que eu costumo chamar de “teco-teco”, mas que ele abomina, e decolará para quem sabe, um dia, chegar num outro lugar. Em um lugar qualquer, diferente do agora. Mas, se não chegar, também não tem problema, ele sempre carregará consigo a certeza de que está fazendo bem a si. E, no final das contas, é isso mesmo que importa.

Hoje é aniversário do Matias e eu não vou beber com ele porque, mais uma vez, despretensiosamente, ele fugiu sem querer. Então decidi escrever, dar parabéns por aqui mesmo, porque em uma dessas fugas, se ele tiver um tempinho, com certeza vai passar aqui para dar uma espiadinha – porque ele também é um dos raros que divulga o meu blog - e se deparar com o meu feliz aniversário tomando tipo um susto. Matias é um desses caras que eu adotei assim tipo pra vida inteira, eu escolhi, ele escolheu, fazer o quê, a gente se entende.



Ó o Matias aí ó, numa dessas fugas da vida com os amigos bêbados que ele sempre arranja por aí. É um pára-raio que só Deus. Ele é o que está de pé, indo, mas poderia muito bem ser o outro!

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

um pouco estranho

hoje eu acordei um pouco estranho. de novo. deve ter sido por ontem. a agenda intensa, reuniões atrás de reuniões, alguns cafés e alguns cigarros, um pouco menos que antes, o almoço com um dos grandes amigos, algumas descobertas surpreendentes, outras nem tanto, eram confirmações, depois telefonemas, palavras ríspidas e uma angústia fragmentada em parte da tarde. algumas trocas singelas de olhares no trânsito, uma rápida discussão com o síndico sobre o décimo terceiro da faxineira do prédio, um banho de meia-hora, tive que trocar o chuveiro, pois queimou, depois voltei, prendi um dos quadros e depois fiz a barba, pela metade, deixei por fazer. depois assisti a um show lindo do chico, esse mesmo aí de baixo, foi demais, mas não desmaiei, lá estavam também os melhores amigos, cantei quase todas, sorri, me recompus, e depois uma cerveja. algumas, muitas, até cair. um prato da pesada, carne, uma mesa de músicos ruins e feios, nobodies, mas moças bonitas, era esquisito, mas era divertido também. e depois a despedida, o silêncio da madrugada, sozinho, e então um sonho bem leve, manso, muito embora tenso e tumultuado.

está tudo um pouco diferente, estranho, porque hoje eu acordei antes da hora, antes do despertador, pela primeira vez em meses eu o trapaceei, não sei se é bom ou ruim, descobrirei mais tarde, eu acordei também com o livro de cabeceira em cima do meu peito, não me lembro muito bem como ele foi parar ali, não me recordo de ter lido, mas lembro-me de cada detalhe, minuciosamente, de ontem à noite, do dia inteiro, apenas desse que não. mas não é cruel, só é bizarro. é obscuro, eu tenho dúvidas. então eu resolvi escrever com minúsculas, pois na dúvida, como sempre, eu prefiro variar. estou no diminutivo, como elas, mas não nas dimensões, só na clareza, na simplicidade e nas arrumações. pequenas diversões. hoje eu resolvi arranjar uma música, mas eu não sei fazer isto, então desisti, vou trabalhar, escolhi um tênis vermelho e uma blusa amarela descolada para dar bandeira, pois hoje eu posso, ao invés das calças bem passadas e com frisos, das camisas listradas de botão e dos sapatos caretas da semana passada, pois não podia, eu tinha reuniões políticas, parecia um mauricinho. mas hoje não, hoje eu sou eu. de novo.

devo fumar mais uns cigarros e tomar outros cafés, um pouco menos que ontem, espero, usar palavras mais doces, dóceis e sorrir para os colegas, vou pular os telefonemas amargos e, depois do trabalho, ainda um pouco sujo e cansado, devo ir a algum bar bem ruim, saca, tomar uma de salinas, marcar presença nos tricotes semanais e depois fugir do síndico. hoje ele não me pega nem a pau. hoje também não tem jogo bom na tevê, deve ter algo do tipo vasco e paysandu, do tipo que não me pega, então vou alugar um filme, passar na padaria do maurinho, e se estiver fechada vou na do manoel ali na esquina, comprarei umas empanadinhas falsas argentinas, ele sempre me engana, e uma coca. vou tomar os meus remédios, são nove, canso só de pensar, depois vou assistir só ao trailer de um dos trailers do filme que eu aluguei e que eu vou querer alugar depois só para ver o trailer do filme do trailer, de um outro, e assim por diante, e depois vou dormir de barriga para cima e sonhar com paris, com mozart, com chico ou com cartola, e no outro dia eu nem vou me lembrar. espero que não.

e nesse outro dia, que será amanhã, e será diferente, não tenho dúvida, devo acordar estranho de novo, virou rotina, eu me acostumo, já é normal. e se assim for, e que assim seja, pois é incontrolável e insustentável, mas é gostoso. escreverei pela manhã, como o fiz hoje, enfiarei todas as minhas angústias, as minhas manias e as minhas esquisitices na bolsa de couro velho, como faço todos os dias, e colocarei também alguns rascunhos, algumas balas, algumas contas, algumas cartas e a incerteza do meus dias, de todos eles, do meu agora, do meu hoje, do meu ontem, respirar fundo, olhar para a frente, e começar tudo de novo.

domingo, 6 de novembro de 2011

Para Chico

Chico,

Ontem, eu comecei a sentir aquele frio na barriga que não me vinha há tempos, não me lembrava dessa sensação, comecei a contar as horas e aguardar ansiosamente pelo show de terça, tão esperado há cinco anos, desde a última vez em que você se foi cantando suavemente João e Maria com um sorrisão daqueles bem marotos no rosto, lembra, no último bis dos três que você fez no seu último show aqui em beagá. Foi lindo. Mas, não foi aí que tudo começou. Vou te contar como foi.

Foi há algumas semanas, e eu estava bem longe daqui de beagá, eu estava em São Paulo e acabei comprando o seu novo disco, Chico, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional da Avenida Paulista. E logo lá, na terrinha da garoa, bem longe do Leblon e da Penha que você tanto adora. Lembro-me de ter mandado um sms para a minha amiga Lívia Deodato, jornalista, perguntando sobre como chegar lá. Foi um ato contraditório, eu sei, me desculpe, mas eu fiquei desesperado e já não aguentava mais, afinal era hora de decorar (de novo) todas as suas músicas, me preparar para o seu show, eu não poderia esperar que a Biscoito Fino abrisse uma loja aqui na esquina de casa, sabe?

Mas, logo que voltei, a rotina me pegou, voltei a escutar aquelas músicas que me acompanhavam há meses, nenhuma sua, confesso, o disco ficou lacrado e guardadinho na mesma sacola que veio de sampa, junto com o meu novo Moleskine e o livro da Clarice que eu também comprei. Acho que, no fundo, ele bem sabia a hora de começar a me chantagear, tanto que o fez logo agora, nesse fim de semana assim pacato, calmo, tranquilo e singelo, é talvez a calmaria se anunciando antes da tempestade. Afinal, o show de terça está chegando, e hoje eu escutei seis vezes, sem parar, com o repeat ligado a toda, o tempo todo, ouvi todas as suas novas canções ininterruptamente. Cada vez que o telefone tocava ou que o vizinho chato me gritava eu ficava puto. Muito bravo e arredio. Como fiquei novamente há pouco, quando estava aqui bem escutando Tipo um Baião, a faixa quatro do seu disco novo, estava naquela passagem que diz mais ou menos assim: “não sei para que, outra história de amor a essa hora, porém você diz que está tipo a fim de se jogar de cara num romance assim, tipo para a vida inteira”.

Há quem diga que o disco é ruim, sabe, todos aqueles críticos que saíram do armário à sua caça, à nossa, tentando te criticarem pela culatra, esse seu novo disco, e também há quem diga que os trinta minutos poderiam ser um pouco mais, enfim, uns quarenta e cinco, eram cinco anos de espera, sei não, confesso que fiquei um pouco desconfiado... Mas, depois de ouvi-lo, sei que a mim serviu, tudo passou rapidinho. Pode ser que aos outros não, mas pra mim foi a dose certa. É lindo. Me inspirou, empolgou-me vezes dois para o show de terça, fez lançar-me brutalmente da cadeira para o toca-discos algumas vezes durante esse fim de semana. Agora, por exemplo, enquanto estou redigindo essa carta, coloquei Sem Você 2 mais algumas vezes no repeat. É aquela passagem, assim, meio sem você. “Sem você é o fim do show. Tudo está claro, é tudo tão real. As suas músicas você levou, mas não faz mal. Sem você, dei para falar a sós. Se me pergunto onde ela está, com quem. Respondo trêmulo, levanto a voz, mas tudo bem. Pois sem você, o tempo é todo meu, posso até ver o futebol, ir ao museu, ou não, passo o domingo olhando o mar, ondas que vêm, ondas que vão. Sem você é um silencia tal, que ouço uma nuvem a vagar no céu, ou uma lágrima cair no chão, mas não tem nada, não”. A carapuça me serviu, claro. Fiquei com saudades. Saudades do passado, saudades de mim, saudades de você. Tanto que hoje, Chico, estou aqui novamente a escrevê-lo, pois me deu muita vontade de saber como vai você, como está, onde está, com quem, parece-me inspirado como outrora, fiquei com vontade de saber tudo isso, também fiquei um pouco confuso, algumas letras contraditórias, acho que está apaixonado de novo, então decidi falar.

O seu novo disco é doce, como os antigos, é samba, como você, e me derrete, como todos os outros. O seu disco conseguiu fazer-me o que só você mesmo havia feito, e a última vez foi há cinco anos com o seu Carioca, já faz tempo, foi ele que também me obrigou a tantos e tantos repeats com Dura na Queda, Outros Sonhos e Subúrbio. Gosto de outros e outras também, claro, assumo, escuto, mas nunca desse jeito tipo assim sem parar como o fiz neste fim de semana e como sempre o farei com você, seja sozinho na estrada, em casa, na praia, seja com os amigos, bem ou mal acompanhado. Você, Chico, sempre me cai bem.

Teve uma frase que ficou famosa há tempos aqui em beagá, acho que no país inteiro, não sei se chegou até você, não sei bem como era, era mais ou menos assim: “para o Chico Buarque, até eu toparia ser corno”. E eu me lembro bem, já faz alguns anos que escutei a primeira vez, essa carapuça aí também me serviu. Eu adoraria que a minha mulher desse para o Chico Buarque. Que frase de peso, claro, quem não gostaria que atire a primeira pedra... Imagine-me lá, no botecão meio intelectual, meio de esquerda de sábado com os amigos e algumas amigas que há tanto queria paquerar, mas que nunca surgia aquela oportunidade, eu solto uma dessas, do tipo, “porra velho, você não sabe da última, a minha mulher deu para o Chico Buarque”. Seria um susto, não saberia antever as reações, mas seria também um achado. Eu não tenho a menor dúvida de que os caras me achariam o cara – ou o segundo cara, porque você é o primeiro – e que todas as gatinhas a espera da paquera se tornariam presas bem mais fáceis, pois afinal de contas seria o caminho mais curto para ficarem com o Chico Buarque, assim, de tabela. “Fiquei com o cara cuja mulher deu para o Chico Buarque”. Imagine, puta que o pariu, seria foda. Daríamos uma dupla e tanto. Eu, você e todas as donzelas que queriam dar-te de tabela. Você aí, do tipo compositor, e eu aqui, do tipo mentiroso oportunista. E nesse fim de semana eu acho que acabei progredindo, acho que agora eu mesmo daria para você. É esquisito dizer isso, pois não, eu não sou gay, eu não desejo outros homens, fique tranquilo, pois eu estou, eu sou muito bem resolvido quanto à minha sexualidade, mas você devora o meu cérebro, assim, de uma maneira tão voraz e sagaz, consome a minha alma sem deixar vestígios, sei lá, acho que eu me daria ao luxo de dar para você. Eu daria o meu cérebro inteirinho para você, nem que fosse por uma noite, assim talvez em um trago daqueles sete cigarros que você fuma por dia eu eu poderia conseguir achar uma brecha e roubar, quem sabe, uma dúzia dessas palavrinhas sedutoras, maliciosas, deliciosas e despretensiosas que tão facilmente saem da sua boca. Tem inclusive uma passagem da sua música Nina, acho que é a oitava do disco, que me faz criar um pouco mais de coragem, assim, de desapego para conseguir tentar, acho que é mais ou menos assim: “Nina anseia por me conhecer em breve, me levar para a noite de Moscou. Sempre que esta valsa toca, fecho os olhos, bebo alguma vodca, e vou”.

E foi. Ele foi. Você foi. Uma hora vou eu. Tenho que te contar dos tantos e tantos que sonham, suspirando, imaginando-se um dia, quem sabe, ver você chamando-os de Aurora, Aurélia, Ariela, Glorinha, Maristela, Teodora ou Nina, as suas novas musas. Mal sabem eles, pobre coitados, que todas essas aí agora são chamadas por Thaís. Ah, essa Thaís Gulin... Eu, tu, eles, a minha tia, a minha mãe, a minha ex, a minha professora, a minha chefe, a minha amiga, a mulher do vizinho, o meu amigo mais machista, o porteiro do prédio ao lado e até a mulher do padre. Todos queriam ser Thaís. 

Sei que, Chico, você me faz, assim, mais saltitante. Sei lá, é bem esquisito te dizer tudo isso. Mas, se eu conseguisse processar todas as minhas alucinações na mesma velocidade em que o meu cérebro viaja, hoje eu escreveria um livro inteiro. Um livro sobre você, inspirado em você, nas suas músicas, um livro meu para você. Eu teria a ousadia de escrever-te uma música. Pois hoje, Chico, o texto é todo seu. A minha inspiração é sua. Eu sou. A minha mente é. E eu, bem, eu poderia morrer musicalmente depois dessa, assim, num romance tipo pra vida inteira comigo mesmo, com as suas letras, com a sua música, com a sua vodca, com a sua alma.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Ser sabático

Porque, na vida, eu nasci chorando, cresci sorrindo, amadureci aos trancos e barrancos, e também aos prantos, envelhecerei às gargalhadas e educarei nos papos. Não tenho a menor ideia de como e em quais circunstâncias eu morrerei. Nem eu, nem você, nem o seu cachorro e nem a sua tia gorda. Semelhantemente diferente, eu não me considero um igual. Jamais. Porque nessa minha vida assim, incansável, nada é tão seguro quanto a minha própria instabilidade, nada é tão precioso quanto as minhas falácias, nada é tão injusto como as minhas verdades. Nada, na minha e na dos outros, é tão cruel como nunca se apaixonar ou sofrer de amor, principalmente depois de certa idade. A minha incerteza é chama acesa que nunca irá se apagar, a minha destreza está justamente em caminhar sem quase – e só quase - nunca olhar para trás. Porque algumas piscadelas para o passado, claro, são danadas de necessárias. A minha malvadeza é ser leal, especialmente aos meus pares, a minha cafonice está justamente no meu romantismo, e as minhas esquisitices e as minhas palavras, a mim, são brutalmente letais. Sou diferente, já falei. Porque nessa minha vida, assim, irreparável, e só minha, se eu chorei, se eu sorri ou se eu menti, e eu fiz de tudo isso um pouco e outras coisas que agora não posso dizer, é fato, não sei ao certo como e se um dia partirei. Sei que preciso descansar. E é agora. E se o sabático é realmente o tempo que dedicamos para fazer algo adiado com frequência, seja ler, estudar, viajar ou simplesmente dedicar mais tempo à família, porque eu nunca vi ninguém conseguir algo assim, só nos filmes e nos livros, então que eu consiga, que eu seja sabático em mim, a mim, para sempre. Assim o silêncio, que tanto busco, enfim selará a minha paz.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Ainda é pouco

Eu queria ser um pouquinho mais belo, mais solto e mais inteligente, um pouquinho mais dengoso, mais suave e mais vistoso, um pouquinho mais esperto, mais sagaz, voraz, um pouquinho mais intenso, mais denso e mais legal, um pouquinho mais frio, mais forte, coisa e tal. Eu queria muitas coisas que me transformassem, assim, em mais. E, mesmo querendo, isso ainda é pouco pra mim, pois eu queria também a dose certa do romantismo, a escrita segura do poeta sensível, a devassa idade dos balzaquianos, a maledicência dos malditos, a maturidade dos libertinos, a liberdade dos andarilhos, a brutalidade de uma alma doce, as palavras certas, que só me vêm à noite, e muito mais. Eu queria ser até o caroço. Eu queria ser mais assim, assado, mas fico assim, pela metade, assim desengonçado, lento, assim, assado, sem limites, sem pudor, querendo ser ao contrário, mas só às vezes, um pouquinho menos eu, um pouquinho menos meu, um pouquinho mais banal, um pouquinho, coisa e tal.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Amanhã é feriado, e daí?

Amanhã tem mais um feriado. E eu não gosto mais de feriados, ainda mais de finados. Lembro-me da morte, sinto saudades, preferiria que não existisse esse feriado. Tentarei passar por ele como o Bolt vence todas as suas corridas: olhando nos olhos, encarando-o, mas ligeiro e sem deixar margens para o adversário. Afinal, penso com as minhas entranhas, por que não há um feriado do tipo “o dia dos vivos”? Devíamos. Devíamos criar esse dia, vamos pedir uma emenda parlamentar, sei lá, aproveitar que estamos adorando essas manifestações, marchas aqui, acolá, não custa tentar. Vai que cola. Vejam bem, seria bem melhor nos celebrar do que celebrar aqueles que já foram, coitados, nem vão participar da festa. Não é? Que crueldade, sei lá, acho tudo isso muito estranho. Mas todos os feriados, não esse em especial, principalmente aqueles que não emendam, que não dá para viajar, a gente fica pela metade, sem muito poder de ação, esses aí eu não gosto mesmo. Eles parecem-me os domingos. Um domingo durante a semana, que saco, logo interpreto que serão dois domingos na mesma semana. Ninguém merece. Esquisito, antes fosse, mas não é. Sei lá se essa sensação é só minha, eu acho que não. Devem ter vários endomingados, como li outro dia, por aí. Devem ter vários querendo se livrar desse estigma também. Sei que na vida, a gente fica sempre esperando essas horas (menos eu, é verdade, e talvez esses outros aí). Os amigos se planejam com as deles, as amigas ficam com os delas, alguns com os deles e algumas com as delas, afinal somos todos contemporâneos. Eu não, eu fujo dos feriados, eu fujo deles, delas, eu fujo de mim, eu prefiro a incerteza, eu fico sem o almoço, eu fico com os meus filmes, eu vou ao clube, eu fico com a ressaca, eu fico na minha.