quinta-feira, 22 de março de 2012

Da série micro-contos (2)

Nasceu ele, mas era ela. Nasceu ela, mas era ele. Eram-se assim, então, mesmo opostos sendo. Homem que era mulher, mulher que era homem. E não era questão de querer, pois diferentes eram, aos olhos dos outros, mas normais em si. Contraditórios ao mundo, e assim os viam. Tortos. E simplesmente eram assim, sendo, e se encontraram em vida. Cruzaram-se nas ruas, na esquina da casa dela, que era ele, e então rolou. De súbito, inesperado, como se desconhecidos fossem. E eram. Demorou, destino tardio, mas gritou. E lindo também foi. João, que era Maria. Maria, que era João. Eram iguais em si. Entregaram-se um ao outro, e entregaram-se também ao amor. Dos dois. Pleno é o que foi, não tinha outro nome. Tragaram-se. Embriagaram-se. Diferentes que eram, pois eram, descrição improvável. Queriam ser eles, apenas, ou apenas serem, pois bastava. Queriam viver entre suas esquisitices e cafonices, matéria simples que era, queriam vida. Inaceitável era que não os aceitasse, a sociedade, posto que fosse de alguma forma inaceitável. Normais é o que eram, indiferentes, sobretudo, e nada mais. Não deixariam de lutar. E não deixaram. E então venceram, transcenderam, e então casaram-se, tiveram filhos. E então enfim os aceitou, a sociedade, e foram como deveriam ser, plenos. Como poderiam ser, juntos. E foram para sempre. Viveram. Ele, Maria. Ela, João. Eles, um só. Em casa, sendo-os assim, iguais, vestiam-se como João e Maria, como todos os casais. E na rua também. Normais que eram.

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