terça-feira, 17 de abril de 2012

porque metade de mim é o que me resta

eu ando um pouco desprendido da vida, em vida, mas sendo insuportavelmente intenso, e denso, e sem exageros ou percalços me tornei assim, talvez doses homeopáticas de Caio F. estejam dentro de mim, me transformei, aceitei inspirar-me descontente em descontentamento desencantado em teus véus, e em prantos embebedei-me de minhas entranhas mórbidas, sujas e cruéis, avassaladoras e dilacerantes que são, e às vezes pego-me apegado à certeza de que tudo o que escrevo é a tradução mais fiel da loucura entrelaçada em minha alma e impregnada em meu corpo desde que isso tudo começou, em forma de palavras, só que não, opostos tão perfeitos dentro de nossas imperfeições mal aceitas, eu e a vida, siameses que somos, e o Caio F. também, porque metade de mim é o que me resta enquanto a outra se esvai.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Talvez te queira um dia em uma esquina qualquer...

Eu te quis muito em vida, foi, estive te amando por demais e sem remorso algum desse passado longínquo, confesso, mas agora talvez não mais, não por hoje, pois o que eu sou não me permite mais, não te cabe aqui em mim, ou ao meu lado, e eu também não consigo te alcançar, sequer dar-te as minhas mãos, não como antigamente, pois não consigo mais, hoje estou liquidificado em terreno estranho, triturado, alheio, não posso mais, porque o tempo passou, pesou, e perdi-me do bonde antes mesmo que eu pudesse dar o sinal. Fugiram-me os trilhos, fugiram-te, descarrilharam, e não foi possível correr, pois as pernas bambeiam, a trilha era longa, e cinza, e sem balões coloridos, e sem poesia também. Havia um muro inestimável de tão alto, imenso não permitiu-me avançar, era cimento queimado, fenderam-me as ventanas, ao mesmo tempo, os querubins à minha volta, ou serafins, ou o meu próprio fim iminente que decretei no dia de São Jorge e então não pude seguir-te mais.

E eu agora nessa de desajeitado depois que me vim, sendo o oposto do que eu sou, ou do que eu fui outrora, talvez consiga te querer em breve, depois da ponte, de súbito achado e encantado em uma esquina dessas qualquer, fazendo valsa e dançando em ciranda à tua volta, fingindo-me inteiro, e pronto, hesitando em entregar-te a carta que escrevi de punho com a minha caneta mais antiga de bico fino no dia em que decretei o partir, o fim do começo, mas ei de procurar-te um dia, não hoje, não amanhã, mas saiba logo, quem sabe em breve ou no próximo verão, as suas bodas estão chegando, que liberte-se em mim quando chegar a hora, então, e tope mesmo ao longe, porque daqui de cima te vejo só, e pequena, mas és tão grande em mim ainda, contraditório, aqui fincada ao meu peito longe do teu lado inalcançável nessa terra por onde resisto em resíduos de mim, proliferando em grãos, mas vê se esquece o nosso amor, ainda é tempo, deixe que os querubins, ou os serafins, ou que o meu próprio fim anuncie quando, pois ainda dói observar todos os moços espalhados no salão pedindo a tua mão, os teus beijos e o ardor dos teus seios, e então mover-me uma palha mesmo tendo desejado-te e entregue-me pleno como em vida eu te amei, em estado inóspito, límpido e transeunte, como estou hoje, fuligem em campo desflorido de descontentes, já não dá mais.

terça-feira, 3 de abril de 2012

A minha versão da felicidade

E o que é a felicidade, senão a convergência entre aquilo que eu acho que eu sou, o que eu não sou e aquilo que eu sou agora, mesmo não achando que eu sou? Ocorre que eu não sou nada disso, ou nada daquilo, ou nada de nada, nadica, ou não sei, não sinto, ou não cabe em mim tudo o que eu sei, porque nem eu mesmo caibo, não me caibo, o que eu sei também não cabe, ocorre também que não dou conta mais de ser feliz à toa, porque eu preciso mais, porque eu preciso muito, porque eu realizei isso outro dia, e pronto. Mesmo que mais e muito sejam um nada, porque às vezes o são, ou um tudo vazio, ou um oco e pervertido que eu tanto busco, ficar à toa pode trazer felicidade que não seja à toa, não é? Pois é. Tem coisas tão simples, tem coisas tão rasas, tem coisas tão fáceis e fúteis, penso, que nos trazem felicidade, e aí logo existo, então, em consequência óbvia e proliferante, mas hesito também em existir, em insistir, em existir dentro de ti, ou de mim, ou da gente. Prefiro dentro de mim, sentimento notório, só, porque assim é mais fácil, pois não reluto, pois não trupico, pois não retruco, pois trilho as minhas próprias dúvidas, e as minhas inseguranças, e os meus próprios estereótipos de alegria ou de tristeza, talvez, porque a felicidade, no final das contas, e na minha concepção, é só isso de sentir-se, e isso basta, e então não preciso de mais nada, eu só preciso entender a hora de entender tudo isso de uma maneira mais compreensível do que andam os meus dias.

Porque a minha versão da felicidade, que é bem diferente da tua, e não tenho dúvidas sobre isso, é uma fórmula mais complexa, dessas do tipo fluxograma de grande empresa, sem entrada e sem saída, direita ou esquerda, é um caminho meio que pelo meio, composto por lágrimas, gritos, surtos, algodões-doces coloridos, chocolates amargos, vinhos tintos, cigarros de filtro vermelho, viagens em mim, viagens erradas, variáveis inconstantes, inconsequentes, amigos, amigos, bebidas à parte, muitas, e uma pitada de bom humor também, e um pouco de amor, faz parte, e sempre, é necessário, mais amor por favor, muito amor, muito em mim, busco em mim, luto, pois essa felicidade descoberta em mim, outrora, está em qualquer lugar que eu não consiga pegar, é uma fórmula dessas que a gente não aprende nas aulas de química orgânica na escola, ou no primeiro beijo, ou no dia do trote, ou na doçura do teu toque, é uma felicidade que vem uma hora e me pega, olhos em brasa, coração em chamas, te pega, nos pega, e nem percebo, e nem reclamo, não reclamamos, não fujo, não dói, pois é bom, pois é boa, surge simples, vem, envolve-me em prantos, faz sentar-me na praça a mil gargalhadas, e sozinho, ou não, rindo à toa dessa coisa à toa que chamamos de viver, de voltar a sorrir, de parar de chorar, de seguir sendo um só, sem dó, desdar um nó, dessa coisa à toa que chamamos, sem engano algum, e talvez à toa, de ser feliz.