quarta-feira, 27 de junho de 2012

O estranho amor que existe em mim


Revelo-me no silêncio, tem vezes, e em certos poucos nãos. Autoproteção ou insegurança, talvez dissesse sem muita propriedade e uma suave preguiça social. Mas resolvi mudar, acho que foi ontem, ou na semana passada, não sei bem o exato instante, vi uma pequena luz brilhando na esquina dos meus olhos em frente ao espelho da alma do meu verdadeiro eu e decidi que era hora de escancarar-me um pouco mais, quem sabe, revelar um outro lado mais encantado da minha verdadeira face, e novo, e com sorrisos mais belos encontrados outro dia como se lápides em paralelepípedos vermelhos, e com uma nova trilha sonora também. Era jazz. Soltei-me sensivelmente, então. Convenci-me que sim. Era preciso. Mas parece-me em vão, por hora, contraditório ato, estimo que não tenha sido certeira essa minha sã tentativa, vã que seja, ou não. Pois me bastava querer, eu previa, pensava, e bastou-me enfim lançar-me de maneira diferente de antes, mais pulsante, direto e com mais sins e afins, para que outras dúvidas e incertezas ressurgissem quase como de imediato de lá e de cá, de súbito como se do fundo da gaveta do outrora ou de um novo mais novo que esse novo que surgiu há pouco de novo, não sei, de lá e de cá, talvez, e me jogassem em minha versão mais traiçoeira e imunda do que um dia sequer imaginei, atormentado que sou.

Estou diferente de ontem, sim, e talvez recluso novamente. Estamos fechados, eu e o meu corpo. E a minha alma também. Triste não, antes fosse. Desapontado talvez. Comigo e consigo, vida, de lá e de cá, e com a minha pele arrepiada e a carne trêmula reconhecidas em um dia desses quaisquer de céu azul refulgente em que estavas a regar as lindas flores do meu jardim, encantador apanhado de um punhado de pétalas que surgiu inesperado ao meu redor. Mas espero que seja passageiro, contudo, e que venham dias menos cinzentos e mórbidos do que esse ontem cafona e mais iguais a esse um dia vago qualquer, vácuo, e que eu mude um pouco mais em breve também, quem sabe, e talvez volte a ser como sempre, ou como nunca, ou como nesse quase em vão inacabado, mas sei que passa, pois tudo passa como um jovem que transcende a carne, é momentâneo esse agora impreciso, indelicado, mas uma hora passa, insisto, esvai-se delirante, e passa inclusive, e deixando lastros irreparáveis, esse desconhecido e indesvendável estranho amor que existe em mim.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

De tudo um pouco desconhecido


Ando sabendo-me da cabeça aos pés por agora e, sentindo-me meio desligado e sem saber muito bem por onde caminhar, retroagi em mim, como lhes disse outrora, e imergi-me exacerbado em introspecção com certas dúvidas que me permeiam e a ansiedade, contraditoriamente, agora caminha lado a lado com os meus dias e com a minha intensidade extremamente radical, não mais a tristeza ou os leves vazios que se colocaram ante a mim num passado não tão distante, momento de transição e de certas novas conexões, e de desconexões também, talvez, transeunte que sou, desapego iminente, e o fato é que ando pensando em não pensar muito sobre esse de tudo um pouco desconhecido que acontece comigo ao mesmo tempo nesta hora indigna e bela, muito embora incerta e imprecisa, mas que desata certos nós, e remói as entranhas, e chacoalha a carcaça, e faz pular-me de súbito da cadeira desse ontem inédito e confuso tornando-me um pigmeu insensato e de loucas e irreconhecíveis e tardias e dolorosas indecisões.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

As peripécias do quase sempre


Ainda reside em mim certo sufocamento sobre algumas questões, um estranhamento com certos lugares, com certas pessoas, com algumas decisões e indecisões, e existe em mim também certa imprecisão diante de coisas malditas, mal ditas e azedas, uma sensação de incompletude dessas que corroem os lábios e um quase suave e iminente descolamento de certas coisas materiais que necessitam desapego. Mas sinto-me diferente de antes, não é bom? Porque hoje eu posso dizer com alguma propriedade que me assumo como estou, como eu sou, como andam os meus dias ou como talvez eu queira ou possa, muito embora tenha me passado por outro em boa parte dessa estrada porque eu precisava. Eu precisava, porque eu precisava ser outro para que eu pudesse, enfim, ser esse eu novo. Ser eu de novo. Esse eu de agora. Precisava muito desse retrocesso em mim, e então retroagi para que estivesse mais preciso e mais atento por agora. E estou. Como estou. E como sinto-me também enganado por mim mesmo, tem vezes. Mas pouco importa, porque estou indiferente. Sentimento dúbio, como nunca ninguém tinha pensado nisso? Indiferente. Diferente por dentro, indiferente carcaça. Desconexo e contraditório. Ligeiramente louco.

E acho até que posso, pois é como eu me apresento ou tento e finjo me apresentar por agora. Porque no fundo eu nunca soube se havia algo de errado comigo, e talvez não, e talvez nunca, e talvez eu possa sentir-me no meu direito indiferente, mas o fato é que eu me queimei, certas vezes, e queimei também certas etapas desse processo que preferi chamar por autoimersão. Processo bom, pleno, e nisso aceitei-me quando reconheci a libertinagem que transcorria em minhas veias, em mim, em todo o meu corpo, mas isso foi bem depois do começo se assim posso dizer, pois devo confessar que em certos momentos eu optei por fugir-me à sarjeta e encontrar-me escondido a tira colo com alguma bebida ou muitos tragos ao meu redor do que encarar o inevitável e inescrupuloso embate com a minha própria alma. Declinei sobremaneira, mas não havia como desistir dessa tarefa árdua e insuficiente de tentar recolocar-me ante ao espelho e chamar a mim mesmo de filho da puta, ou de carne, ou de contradição, humano transeunte, vivo, vivo, vivo, porque é o que eu era, normal, porque é o que eu sou, e vou ser sempre, e todos somos de certa maneira também ou pelo menos um pouco.

E nessa época, nesse passado não tão distante antes que isso tudo se revelasse agora em forma de vômito encantado - sim, encantado -, a carne do jantar era preterida antes mesmo que a mesa fosse posta a mim, antes da minha hora, antes que eu permitisse-me adentrar no meu veneno mais doce, porque eu gostava muito pouco e sentia-me desconfortável em degustar os sulcos naturais que se formavam em mim. Mas era preciso, dedo na ferida, o fundo do útero, introspecção profunda. Tanto é que hoje, indiferente, já me interessam muito mais os loucos de viver, por viver, os que sabem viver e que não fingem-se santos, pois o são genuinamente também, como Kerouac e Cortázar, ou como eu mesmo arriscando-me em hesitar porque não tenho mais medo e nem aflição, ou como outros eus que sempre vou encontrar numa dessas esquinas quaisquer de Bangladesh, ou de Paris, ou da Tailândia, ou aqui pertinho do trabalho mesmo, quem sabe. Porque o fato é que ando prestando-me de uma sobriedade deleitável em meus dias. E como é bom dizer que tudo isso é muito bom.

Aceito-me, então. E reluto menos em fazer novos ou refazer velhos amigos, em romper com aquilo que me é comum, em buscar o irreconhecível em mim e nos outros, tenho pensado também em sentar mais no chão, em observar as nuvens e tentar tocá-las, em talvez declarar-me a um novo amor, quem sabe, a uma nova vida, e topar de maneira extremamente instável encontrar cruzando o meu caminho outro louco que assim como eu queimou certas etapas e escolheu dar a cara a tapa, imergir em poeiras sem trégua e sem volta, viajar o mundo, escrever poesias, fugir, aprender a tocar flauta ou arranjar uma música, escalar o mais alto topo e aprender a matar formigas em Roma, quem sabe, para desapegar-se, energizar-se e depois sentir-se, sobretudo, pois depois de um tempo não haverá mais tempo de voltar atrás, de voltar no tempo, de ser você mesmo, esse eu que você tanto busca no passado. Pois não haverá mais ele. Pois já não há. E não há mais nada, também, além desse teu eu novo, esse aí em frente ao espelho fazendo a barba pela manhã ou recolhendo rosas no jardim florido ou revelando-se pleno embaixo da água escaldante do chuveiro enquanto a fumaça à tua volta gera uma estranha sensação, muito embora boa, de ver-te desfazendo-se ou diluindo-se e transformando-se em mínimas películas novas e distantes desse outrora, um quase nada, pois é necessário arriscar-se nessa doçura amarga e bela da sociedade incansável e de um presente inoperante, mas infalível, e seguir. Porque a felicidade encontra-se também no fato do reconhecer-se no aqui, e no agora, não amanhã, nessas indetermináveis e impalpáveis e insustentáveis peripécias do quase sempre.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Dia dos namorados


Ando forçando-me a pitadas de vômitos de mim e das imersões poéticas de outrora. Mas não servem-me, por hora, as minhas investidas. Até vêm-me ideias e alucinações, vez em quando, ou vez em sempre, mas não prestam-me como eu queria prestar-me dessa outra hora intocável para entregar-lhes uma ou duas palavrinhas de amor para serem lidas no dia dos namorados ao pé do ouvido do seu namorado ou da sua namorada, aquele que tu anda de mãos dadas quando vais ao campo, ou ao clube, ou à praia, quem sabe, como se tocassem todas as nuanças do meu, ou do teu, ou do nosso arranjo uterino.

Hoje é o dia dos namorados, mas não para mim. Não mais, pois hoje não é dia de flores, não é dia de dar ou de ganhar flores, não por agora. Mas não há tristeza, também. Por incrível que pareça? Até poderia me perguntar, normal que fosse. Mas não, não. Aqui, não. Natural, impreciso, tudo isso antes, mas não aqui intocável no sofá de onde sequer arredo o pé até a varanda para embebedar-me com um expresso e um cigarro, talvez, e onde tenho aproveitado para imergir-me um pouco mais em mim, sabe, nesse outro eu que tenho percebido em reflexos na parede vermelha do meu quarto vez em quando, alguém mais diferente de mim, desse mim dessa outra hora, desse mim de outrora encantado que tanto procuro na versão alheia do amor.

Não preciso de flores no dia dos namorados, não mais, não aqui, preciso é desse tanto de mim. Desse tanto em mim. Acho que achei ontem à noite, sabe? Foi estranho. Mas foi tão bonito, foi tão eu, precisava ver. Ando não conseguindo entender também, ainda, o que anda acontecendo ou desacontecendo comigo quando trago a fuligem que sobra do meu quase recomeço em mim. São raios de sol, reflexos da dor, pitadinhas de paz, poeiras podres e recalques de sonhos surgidos em meio às nuvens que peguei para chamar de minhas, tolo que sou. E não é porque hoje é o dia dos namorados que me sentiria vazio. Ao contrário. Porque não é uma ausência dessas que se proliferam por dias, e noites, e outros dias, tantos, mas é como se um vazio temporário que não há ainda em mim, está de passagem, que não está em mim porque também não cabe no lugar que reservei pra ele.

Porque muito embora não exista em mim uma máquina fraudulenta que me impulsione à celebração, que faça-me querer andar de mãos dadas, ou dormir de conchinha, ou comer pipoca no sofá, ou assistir aquelas séries banais da warner ou da universal tomando sorvetes importados, ou soltar balões, ou fazer comidinhas para depois do amor, ou piqueniques no parque, quem sabe um jantar num restaurante chique, de gente rica e sofisticada, ou um copo-sujo simplesmente para rir de coisas cafonas e banais, ou não fazer nada, ou fazer tudo, mas fazer junto, sempre, existe uma outra parte muito forte que não se cansa de me dizer que que por mais que possam achar que eu me engane, ou que seja egoísta, ou que seja o meu ego gritando, sei lá, como é bom lançar-me e embrenhar-me nessa trilha por onde, a cada passo, apaixono-me um pouco mais por mim mesmo, porque é bonito, porque é possível, e porque eu posso fazer isso sozinho, sim, pelo menos por agora, pelo menos pra sempre enquanto eu quiser, pelo menos nessa minha estranha versão do amor.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Ah, se eu soubesse...


E quando eu comecei tudo isso de ser-me sem sentir-me, sem estar pleno, sem vir-me até mim e tocar as minhas próprias mãos em frente ao espelho do passado, ou os meus pés inchados do tanto andar ao incerto, muito, eu não imaginava que poderia ser mais denso e intenso que antes, que quando eu caminhava a pé em Viena, ou tomava café em Havana, ou jogava-me a quatro mãos de cima do skyline de Nova York com os amigos de outrora, belos que eram, ah, se eu soubesse! ah, se eu soubesse!, se eu soubesse que seria dessa forma ardida, difícil, sem substâncias e inóspita, se eu soubesse que não teria fim, que a curva que me levaria a Moscou tinha desmoronado, ou que o avião que me levaria até Paris não tinha decolado, ou que o trem iria descarrilhar-se antes que eu pudesse chegar perto da minha maior descoberta, eu, talvez tivesse optado, confesso, contudo, por não entregar-me como o fiz na última vez em que nos vimos, ou na primeira, ou em todas elas, não lembro bem, acho que foi no começo, no quase sempre, no quase nada, no quase amor em vão.