segunda-feira, 22 de outubro de 2012

como se diz adeus a alguém com o qual não se sabe viver sem?


eu sabia que juntos faríamos da dor um prazer e mesmo assim era impressionante a minha capacidade de amá-la e a dela de partir quando anunciava pelos seus contos quais seriam os seus próximos movimentos ao passo em que o mundo ia acontecendo e eu, desastrado, cada vez mais me desacontecia. no escuro do meu quarto sozinho, na madrugada feito breu, eu era capaz de tocar a solidão nas estrelas e percebia-a também engatinhando suave por entre as minhas mãos a cada sílaba pronunciada. não estava no silêncio, não, mas muito bem guardada no grito mais profundo da minha alma. era ali o seu lugar. talvez fosse tarde, e talvez ela já tivesse partido como sugeriam-me os contos, mas ainda percebia aflito na esquina dos meus olhos negros cansados o quão belo poderia ter sido esse estranho e desconhecido amor porque sentia uma luz muito forte dessas como se houvesse vida, como se houvesse chance de ainda tocá-la ou de tocar as nuvens, como se houvesse enfim o amor projetado enquanto eu realizava que para ser feliz eu tinha de ser triste na mesma medida ao tempo em que passei a aceitar rigorosamente esse amanhã depois de tanto hoje estático nos últimos tempos da minha vida sem mim. eu aceitei e teria preservado a ideia genuína do amor à minha maneira, fosse tempo, mesmo que ele tivesse partido sem o prelúdio das desditosas cenas que ainda se anunciavam. mas como se diz adeus a alguém com o qual não se sabe viver sem?

sábado, 20 de outubro de 2012

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

o moço do guarda-chuva vermelho


o telefone tocou quando estávamos sentados um de frente ao outro na sala antiga de parede amarela e ele gentilmente apagou o cigarro e pediu-me licença para atender retirando-se ao cômodo vizinho. silencioso como quando nos conhecemos na biblioteca pública do bairro, o moço do guarda-chuva vermelho falava pouquíssimas palavras enquanto eu ao longe não conseguia visualizar os seus trejeitos e pude apenas ficar imaginando se talvez não fosse algum quase amor sugerido pelas lindas poesias do Neruda que eu lia enquanto o esperava com um café de punho na sua sala antiga de parede amarela. quando voltou, sentou-se envolvido por um quase silêncio à poltrona herdada de seu avô. “acho que estou apaixonado, sabe?, mas não sei se estou pronto ainda”. “pode falar...”, disse-lhe meio sem jeito e ainda um pouco tímido, mas surpreendido com a entonação de voz do moço do guarda-chuva vermelho e com o seu olhar palpitante que revelava-me um desejo incompleto em dividir algo que talvez estivesse guardado apenas consigo. “conhecia-a há alguns anos, Helena, nunca mais nos vimos. dia desses ela me mandou flores, foram essas margaridas que estão na prateleira, e desde então eu não paro de comprar margaridas. não a encontrei e não a tenho encontrado, recebi apenas algumas cartas e algumas dúzias dessas belas margaridas, mas sinto que já a amo de alguma maneira”. silenciou-me por completo, eu que sempre falava muito e que havia surrupiado a sua privacidade quando atendi o telefone na biblioteca pública, e o silêncio prevaleceu como prevalecia na maioria do tempo. ele sabia e eu inquieto em meio às suas margaridas entendia que a nossa conexão não estava nas palavras, mas em uma taciturna compreensão sobre o que era, afinal, a solidão. havia amor? na certa, duvidávamos. e não tocamos mais no assunto.

trepidante, absorvi-me em uma sensação de que talvez não fosse ao telefone um quase amor sugerido pelas lindas poesias do Neruda, mas um estranho amor autêntico que existia em Helena porque percebia a sua respiração fugaz mesmo parecendo-nos impossível novamente o amor e porque olhei à janela, também, e não tinha mais sol porque já era noite. garoava, mas era noite de lua cheia e isso talvez pudesse ser algum sinal e eu sempre apego-me a sinais como quando apeguei-me aos seus tiques na biblioteca pública percebendo-o incomodado com a minha presença perguntando sobre as horas. o silêncio absoluto tomou-nos novamente, ele me emprestou alguma roupa para que eu me sentisse mais confortável e indicou o sofá vermelho como um possível lugar para que eu pudesse me encostar. resolveu imergir-se no livro de contos que o aguardava desde quando havia se ido o último sol radiante e amarelo feito ovo e não trocamos mais nenhuma palavra. era noite de domingo e a primavera já se anunciava elegante, me lembro bem, e caímos no sono por ali mesmo. eu no sofá vermelho e ele na poltrona herdada de seu avô encostada na parede amarela da sala antiga. quando acordei, vi ao lado do telefone uma carta escrita à mão assinada por Helena e sorri, pois talvez ela realmente existisse. não tive coragem de ler ou tocá-la, sequer, e também não quis acordar o moço do guarda-chuva vermelho. vesti a minha roupa que havia ficado estirada no cômodo vizinho, apanhei o livro do Neruda para que pudesse devolvê-lo à biblioteca pública do bairro e decidi partir caminhando em silêncio como sugeria-me o encontro com o moço do guarda-chuva vermelho e em meio à garoa que ainda permanecia intermitente naquela estranha manhã de primavera. mas não sem antes regar, uma por uma, todas as suas belas margaridas que se mantinham intactas na prateleira da sala antiga de parede amarela.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Até onde vai a nossa capacidade de morrer?


Tenho vivido dias vazios. Vazios de mim mesmo e vazios também de uma vontade de viver muito presente em um passado pouco distante, mas que não consigo alcançar por agora. Permito-me então uma pausa para imergir-me um pouco mais nesse sopro inconsolável e intocável que reside em meu peito. A história de Cecília mexeu muito comigo. Comigo e com diversos próximos. Pelas circunstâncias violentas, cruéis e covardes, pela proximidade, pelos diversos amigos em comum, pelo momento político extremamente delicado que vivemos, pela bandeira que ela estava levantando árdua e lealmente por uma política de paz e comunicação não-violenta rumo a um outro e novo mundo, ou ainda pela simples semelhança a um sem-número de casos que assistimos de camarote diariamente na tevê e nos jornais. Pergunto-me, então: onde é que vamos parar?

Há exatos nove anos, passei por situação semelhante e os sujeitos que mantiveram a arma por vinte minutos na minha cabeça tinham as mesmas características frágeis e vertiginosas daqueles descritos na história de Cecília. Foi a primeira vez em que eu morri vivendo e foi muito difícil nascer de novo depois. Provavelmente muitos próximos já passaram por isso e também teriam histórias para contar. O detalhe é que apenas estamos aqui hoje porque ainda não fomos sorteados nessa roleta-russa interminável. O sofrimento não se mede, a dor não se compara. Mas o fato é que não merecemos jamais situações próximas à dos familiares de Cecília, à do filho que fica, à dos sem-número casos que vemos por aí ou à minha própria situação de nove anos atrás. Que mundo estamos construindo? Até onde vai a nossa capacidade de nos matarmos? Até onde vai a nossa capacidade de aceitarmos com que uma política que privilegia poucos e induz à discrepância entre as classes seja preponderante em relação à condição humana? Somos humanos, ora, e somos todos iguais! Vem-me à cabeça imediatamente o texto que fiz ontem, pois a gestão pública de momento e o caso de Cecília estão intima e quase que umbilicalmente ligados. Mais amor, por favor, e mais respeito no mundo também. Se não nós, jovens, quem? Para tudo que eu quero descer...

Imagino ainda, por hora, o que tenha levado os sujeitos a chegarem ao extremo no caso de Cecília. Imagino o quanto devem ter sofrido. Imagino a falta de educação e de condições básicas de sobrevivência. Imagino a incompletude da vida para eles. O que não imagino e nunca conseguiria imaginar é como estão os familiares de Cecília por agora. Não consigo. E não, naturalmente não há de se tirar a culpa dos bandidos. Mas, cá entre nós: quem são os bandidos? Há de se alimentar novamente a discussão – afinal, agora temos mais quatro anos pela frente – em torno da segurança pública, em torno das políticas públicas para o povo, em torno do que é, afinal, viver em sociedade. Onde fica o respeito ao próximo? Confesso ter dúvidas, por agora, e confesso que esse vazio em mim tem prevalecido sobre quaisquer outros pensamentos. Tolerância!

Nesse fim de semana foi-se Cecília, que eu não conhecia pessoalmente, mas que tinha muitos amigos em comum. Poderia ser qualquer um de nós em seu lugar, não tenho dúvidas. Por coincidência ou por destino, estávamos no dia das eleições. Tendo a ficar com a segunda opção. O fato é que pegou-me brutalmente a reflexão sobre esse mundo em que vivemos, sobre a sociedade que estamos construindo, sobre a importância de escolhermos em quem votar, sobre a importância de sermos políticos, literalmente, e sobre buscarmos uma política mais genuína, efetiva e com P maiúsculo. Eu andei muito no meio, e meio é equilíbrio demais, é vida de menos. Quem me conhece sabe do que eu estou falando. Talvez eu esteja gritando tarde, mas antes tarde do que nunca. É preciso lutar por um mundo melhor, é preciso amar o ser humano que mora na porta ao lado, é preciso ter coração, dignidade e, sobretudo, é preciso estar vivo para o enfrentamento. Mas tenho morrido um pouco a cada segundo só de pensar no que virá no próximo, e depois no outro, e assim em diante. A morte de Cecília é também a morte de um grande pedaço de uma juventude autoral e lúdica que pensa com os pés no chão, que sonha com propostas inovadoras para o bem coletivo, que ocupa incansável o seu espaço e os espaços públicos de uma maneira saudável e poética, que resiste à opressão e ao sistema falho como é hoje e que tem esperança e acredita em um mundo melhor para os nossos filhos e para os nossos netos, acima de tudo. Ser é diferente de ter e é apenas disso que estamos falando. Viver, respirar, abraçar, sorrir sem culpa. Amar. Espero que tudo mude, e espero que seja breve, e que sejamos um só num caminho mais sereno, límpido e suave daqui em diante. Pois, como li em um post ontem, o nome disso "não é luto, é luta". Que continuemos, então. Afinal, até onde vai a nossa capacidade de morrer?

domingo, 7 de outubro de 2012

Para o mundo que eu quero descer!


Antes de mais nada, eu não topo nada com você. Que saiba logo. Afinal, você quer rodar comigo porque acha que sabe em quem eu voto. Você me ignora porque acha que o pessoal que anda comigo não é da sua turma. Você tem medo de mim porque sabe que eu sou o seu oposto. Você me persegue e fala mal de mim porque acha que eu quero te derrubar. Você coloca adesivos duvidosos em seu carro e acha que isso passaria batido por mim ou que talvez eu fosse idiota o suficiente para aceitar-te e dar-te as minhas mãos. Não sou da tua laia. Percebe que eu nunca entreguei-lhe um sorriso sequer? Percebe que eu nunca ri das tuas piadas escrotas e de mau gosto? Você não usa vermelho. Você não veste laranja. Você não tem cor, é cinza, é do tipo que come quieto pelas beiradas com as suas patas meticulosas, com os seus gestos friamente calculados e maltrata o sujeito humano sem pensar duas vezes. Você não está aí para quem está ao seu redor. Você tratora a tudo e a todos. Você faz movimentos ocultos para chegar ao poder. Você é interlocutor com o diabo. Você é cruel. Você é o meu avesso e eu não preciso-o para me entender. Para existir. Para resistir. Prefiro à minha maneira. Prefiro a minha maneira. A minha e a dos meus pares. Você é tão besta que até hoje não sabe quem sou eu, mesmo que eu já tenha lhe dado dicas o suficiente para facilitar as suas investidas. Você me suporta, mas não eu a você. Você me admira e no fundo queria ser como eu, decente, mas a você não, a você não devo uma singela palavra de agradecimento ou respeito ou cumplicidade. Você não conhece quem anda comigo. Você não conhece gente. Você não é gente! A você, meu caro ilustre maligno e desconhecido, apenas o meu pesar e o comentário mais desgostoso que eu poderia soltar-lhe: aqui não. Não hoje, não amanhã e talvez nunca mais, quem sabe em breve.

Você é sanguessuga por poder. Você é anti-cultura, é anti-povo, é anti-gente. Você, sendo como é, é tudo que eu jamais sonhei, pensei ou planejei em ter lado a lado algum dia. Você não tem a menor ideia de quem eu seja ou do que eu seja capaz e repetir não custa nada. Eu não te quero perto de mim, pois você, sendo você e sendo o avesso daquilo que quero para o meu mundo, para esse mundo onde vivem pessoas, sobretudo, me faz mais eu: leal, justo e digno aos meus pares. Eu tenho amigos, e você? Alivia-me saber que as pessoas como você duram pouco onde estão. O tempo passa, sabe? Reconfortam-me as suas palavras tortas e esse seu jeito sem-jeito semi-diabólico porque nem isso você é capaz de ser, pois não tramite a mim e àqueles sujeitos estranhos que andam comigo nenhuma ideia ou proposta com propriedade de quem é um cidadão ou de quem apenas aceita viver num mundo de gente igual. Me deixa feliz por não saber nada disso. Você é tolo. Você não é fino, elegante e nem sincero. Você é do mau. Você é do mau. Vo-cê-é-do-mau! Eu tenho um carro vermelho, eu adoro suco de laranja, eu parei de torcer para o cruzeiro, eu pulei carnaval de sunga pelas ruas da nossa cidade e eu sou gente, sobretudo, e sou de bem. Você não cabe aqui do meu lado porque eu só ando com gente de bem, sabe? E eu procuro por gente de bem. E talvez por isso, também, você seja incapaz em entender-me em minha plenitude ou aceitar esse meu jeito descolado, justo e vivo de ser. Bem.

Você se derrete por mim e me quer ao teu lado porque não é capaz de interagir com gente. Com a gente. Com gente como a gente. Você precisa de mim e de gente como eu. Mas não mais, não por agora. Tem vezes que chego a pensar: qual é a educação que tu dá para os teus filhos? Que o menino do sinal é bandido? Que o moço do saco vai roubá-lo? Que andar de ônibus é perigoso? Que a mocinha que mora na favela é bandida ou mulher de traficante? Que só pobre estuda em escola pública? Que os pobrezinhos do bairro não podem jogar bola na mesma rua que eles? Que só se frequenta bares em lourdes, que só se anda a pé no mangabeiras e que amigo legal é aquele que se faz no minas tênis? Que preto é pobre? Que gay é demo? Que é feio se posicionar? Para o mundo que eu quero descer!!! Nesse seu mundo eu não vivo, não me pertente, o meu lugar não é do teu lado, jamais, não é onde eu quero estar. Hoje a revolta me pegou e ninguém me segura, mesmo que talvez seja tarde. Não suporto violência gerada pelo (des)funcionamento público, não suporto mediocridade pela falta de educação, não suporto a imposição na ausência de política genuína, efetiva e com P maiúsculo. Só é consciente quem vota em quem cuida de gente. Só é gente quem gosta de gente. E você, cara pálida, não é nada disso. E simples assim. O meu peito está vermelho de tanto sangrento e os olhos esbugalhados por justiça e paz. Mais amor, por favor, e mais respeito no mundo também. Vou atrás, então, e convocando todos os meus melhores nessa procissão que um dia há de gritar: dignidade! Se não nós, quem? Para o mundo que eu quero descer...