Tenho
vivido dias vazios. Vazios de mim mesmo e vazios também de uma vontade de viver muito presente em um passado pouco distante, mas que não consigo alcançar por agora. Permito-me
então uma pausa para imergir-me um pouco mais nesse
sopro inconsolável e intocável que reside em meu peito. A história de Cecília mexeu
muito comigo. Comigo e com diversos próximos. Pelas circunstâncias violentas, cruéis
e covardes, pela proximidade, pelos diversos amigos em comum, pelo momento
político extremamente delicado que vivemos, pela bandeira que ela estava
levantando árdua e lealmente por uma política de paz e comunicação não-violenta
rumo a um outro e novo mundo, ou ainda pela simples semelhança a um sem-número de casos que assistimos
de camarote diariamente na tevê e nos jornais. Pergunto-me, então: onde é que vamos parar?
Há
exatos nove anos, passei por situação semelhante e os sujeitos que mantiveram a arma por vinte minutos na minha cabeça tinham as mesmas características frágeis e vertiginosas daqueles descritos na história de
Cecília. Foi a primeira vez em que eu morri
vivendo e foi muito difícil nascer de novo depois. Provavelmente
muitos próximos já passaram por isso e também teriam histórias para contar. O detalhe é que apenas estamos aqui hoje porque ainda não fomos sorteados nessa roleta-russa interminável. O sofrimento não se mede, a dor não se compara. Mas o fato é que não merecemos jamais situações próximas à dos familiares de
Cecília, à do filho que fica, à dos sem-número casos que vemos por aí ou à minha
própria situação de nove anos atrás. Que mundo estamos construindo?
Até onde vai a nossa capacidade de nos matarmos? Até onde vai a nossa
capacidade de aceitarmos com que uma política que privilegia poucos e induz à
discrepância entre as classes seja preponderante em relação à condição humana?
Somos humanos, ora, e somos todos iguais! Vem-me à cabeça imediatamente o texto que fiz ontem, pois a gestão pública de momento
e o caso de Cecília estão intima e quase que umbilicalmente ligados. Mais
amor, por favor, e mais respeito no mundo também. Se não nós, jovens, quem? Para tudo
que eu quero descer...
Imagino
ainda, por hora, o que tenha levado os sujeitos a chegarem ao extremo no caso de Cecília. Imagino o quanto devem ter sofrido. Imagino a
falta de educação e de condições básicas de sobrevivência. Imagino a
incompletude da vida para eles. O que não imagino e nunca conseguiria imaginar é como estão os familiares de
Cecília por agora. Não consigo. E não, naturalmente não há de se tirar a culpa
dos bandidos. Mas, cá entre nós: quem são os bandidos? Há de se alimentar novamente
a discussão – afinal, agora temos mais quatro anos pela frente – em torno da segurança pública,
em torno das políticas públicas para o povo, em torno do que é, afinal, viver
em sociedade. Onde fica o respeito ao próximo? Confesso ter dúvidas, por agora,
e confesso que esse vazio em mim tem prevalecido sobre quaisquer
outros pensamentos. Tolerância!
Nesse
fim de semana foi-se Cecília, que eu não conhecia pessoalmente, mas que tinha
muitos amigos em comum. Poderia ser qualquer um de nós em seu lugar, não tenho
dúvidas. Por coincidência ou por destino, estávamos no dia das eleições. Tendo a ficar com a segunda opção. O fato é que pegou-me brutalmente a reflexão sobre esse
mundo em que vivemos, sobre a sociedade que estamos construindo, sobre a
importância de escolhermos em quem votar, sobre a importância de sermos
políticos, literalmente, e sobre buscarmos uma política mais genuína, efetiva e
com P maiúsculo. Eu andei muito no meio, e meio é equilíbrio demais, é vida de
menos. Quem me conhece sabe do que eu estou falando. Talvez eu esteja gritando
tarde, mas antes tarde do que nunca. É preciso lutar por um mundo melhor, é
preciso amar o ser humano que mora na porta ao lado, é preciso ter coração, dignidade
e, sobretudo, é preciso estar vivo para o enfrentamento. Mas tenho morrido um
pouco a cada segundo só de pensar no que virá no próximo, e depois
no outro, e assim em diante. A morte de Cecília é também a morte de um grande pedaço de uma juventude autoral e lúdica que pensa com os pés no chão, que sonha com propostas inovadoras para o bem coletivo, que ocupa incansável o seu espaço e os espaços públicos de uma maneira saudável e poética, que resiste à opressão e ao sistema falho como é hoje e que tem esperança e acredita em um mundo melhor para os nossos filhos e para os nossos netos, acima de tudo. Ser é diferente de ter e é apenas disso que estamos falando. Viver, respirar, abraçar, sorrir sem culpa. Amar. Espero que tudo mude, e espero que seja breve, e que sejamos um só num caminho mais sereno, límpido e suave daqui em diante. Pois, como li em um post ontem, o nome disso "não é luto, é luta". Que continuemos, então. Afinal, até onde vai a nossa capacidade de
morrer?
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