domingo, 8 de dezembro de 2013

23 quase bobagens ou constatações clichês sobre os meus primeiros 70 dias de viagem

  1. Andar de tuk-tuk em Londres pode ser uma experiência incrível
  2. Os chineses roncam muito, os ingleses roncam muito, os americanos bêbados roncam muito, todos os homens bêbados roncam muito
  3. Algumas mulheres podem ser piores companheiras de quarto do que os americanos bêbados, mesmo quando roncam
  4. Os suíços tomam banho muito rápido
  5. Os chineses quase não tomam
  6. Dormir em euro é caro, sem dúvida, mas é mais barato do que dormir com americanos bêbados que roncam e chineses que não tomam banho
  7. Sair pelado do banheiro, dormir pelado, fazer qualquer coisa pelado desde que você esteja pelado, enfim, pode ser uma coisa muito importante
  8. Na Itália, é um garçom para pedir comida, um para pedir bebida e um outro para pedir a conta
  9. Na França, é praticamente impossível comer e beber no mesmo lugar
  10. Na Holanda, você come, bebe, fuma, pede a conta, bebe, come, come, bebe mais um pouco, pede a conta, perde a conta, a conta, o rumo, tá tudo certo
  11. Sempre vai haver um indiano tentando te vender flores ou objetos que voam, em qualquer lugar que seja
  12. Brasileiros não gostam muito de brasileiros, até a primeira cerveja
  13. A maioria dos americanos e dos alemães não acha, eles têm certeza que são os melhores do mundo
  14. Existem americanos legais, muitos!, principalmente aqueles que vivem em Nova York, trabalham com cinema ou fotografia e morem no Brooklyn
  15. Existem alemães legais, desde que vivam em Berlim, são os únicos que consegui conversar
  16. Os espanhóis jogam futebol, os italianos adoram futebol, os franceses respiram futebol, os alemães vivem futebol, os ingleses amam futebol, ninguém gosta do Neymar
  17. Todos deviam dirigir na Toscana, ao menos uma vez na vida
  18. Todos adoram e se surpreendem com a minha viagem, mas quase ninguém tem tempo para conversar porque sempre têm que partir no dia seguinte
  19. Tem muitos estudantes brasileiros no “Ciência sem Fronteiras”, com bolsa do Governo Federal, mas a maioria deles é contra a atual política de Estado, contra o bolsa-família, a favor da Copa do Mundo e acha a Europa mais limpinha que o Brasil
  20. Na Itália, tem muitas igrejas e monumentos, mas eles gostam mesmo é de sorvete
  21. Em Berlim, dizem que tem muita droga todos os dias, não pára, mas droga mesmo é não ter Berlim todos os dias por perto
  22. Sentar num buteco para tomar cerveja de chinelo, bermuda e com os melhores amigos, sobretudo em Santa Tereza, ainda é o melhor programa do mundo
  23. Deixar-se perder no caminho ao menos uma vez, em qualquer situação que seja, não tem preço: você pode acabar encontrando o dia mais legal da sua vida
e antes que você discorde, proteste ou queira jogar pedra em mim, lembre-se que esta é a minha visão, é a minha viagem e este é o meu blog =)

terça-feira, 5 de novembro de 2013

um silêncio bom

algumas coisas podem ser escritas no todo, outras tantas não. palavras que entalam no peito viram poesia leve. em Verona, a minha primeira cidade na velha bota, a comunicação é até fácil. mas há um silêncio enorme e gritante em algum lugar do meu corpo que me pede mais calmo e sereno do que em outros pontos da caminhada. os cheiros e os sabores me parecem muito familiares, não sei, talvez as cores ou o tempo bom, algo que faça com que a solidão não me agrida tanto. ao menos não como antes. os lápis e os papeis que me acompanham todos os dias, aqui parecem ter uma função mais clara. servem-me a observar atento a cidade pacata acontecendo. há muitos turistas por todos os cantos, em supremacia chinesa, e outros tantos casais em busca de uma benção qualquer de Julieta, que somente existiu em texto. mas é estranho, muito estranho, porque Julieta parece estar em toda a cidade ao mesmo tempo, nas varandas floridas, nos cafés tumultuados e nos bancos vazios das praças, sensação que torna encanto o meu silêncio rompido. os casais apaixonados não me deixam triste, tampouco os sanfoneiros sorridentes de todas as esquinas ou a mensagem "the taste of love", onipresente nas banquinhas de jornal e nos lambe-lambes vizinhos ao hotel. ao contrário. fazem florescer o que talvez houvesse de mais bonito até agora e que eu ainda estava por encontrar. um jeito estranho de ser, mais próprio e menos sagaz, que sustente a ideia de continuar, em qualquer que seja o caminho.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

amanhã faz um mês que estou viajando...

amanhã faz um mês que estou viajando. saí do Brasil no dia 24 de setembro e já passei por Londres, Paris, Rennes, Amsterdã e agora estou amando a vida em Berlim, ou ao menos me desconectando um pouco dela, porque isso também é amor. viajar sozinho é um tanto quanto maluco. é bom e ruim, é quente e frio, é de tudo um pouco ao mesmo tempo e sempre um dia após o outro. já viajei sozinho antes, mas não com tantos desafios quanto agora. desafios a que me propus, naturalmente, porque seria até relativamente fácil se fosse uma viagem exclusivamente turística dessas onde a gente se vira em redes de fast-food, visita apenas as principais atrações das cidades e se carrega de um monte de compras e fotos para depois mostrar para os amigos.

amanhã faz um mês que estou viajando e, nessa viagem, até pretendo contar algo para os meus amigos. mas, talvez queira escolher algo sobre os cheiros, os sabores, os instantes, o acaso, o inesperado, algo sobre os encontros no meio da rua ou em uma esquina qualquer. porque a gente se vira, se conversa, desconversa e se estrepa. já lavei roupas em algumas línguas, vou tentar cortar cabelo dia desses, já encontrei novos amigos, fiz outros que duraram apenas um dia, descobri amigos de amigos em Amsterdã e até encontrei ex-colega de trabalho nas ruas de Berlim. tem sido tudo lindo e maravilhoso, a não ser a solidão que às vezes me assombra. e é justo ela a que vim enfrentar, tentar me ser um pouco mais, descobrir onde estou ou talvez aonde eu tenha de ir ainda em algum momento dessa caminhada. o livro que estava escrevendo está paralisado, por hora, mas outro novo e mais potente vem que surge e me toma fugaz. e então eu ando, ando, ando. e depois escrevo, escrevo, escrevo. deliro com o inesperado que surge ao redor, choro com histórias tristes e outros momentos integrantes dessa quase história.

amanhã faz um mês que estou viajando e não tenho menor ideia de quanto isso vai durar. ainda estou me procurando nas esquinas, nos gringos que olham torto na rua ou às vezes nem olham, na descoberta sobre como sobreviver em outras línguas e me virar em um inglês pouco prático que tenho desenvolvido. daqui, tenho mais saudades de momentos do que de pessoas. saudades de jogar conversa fora em boteco, de poder desabafar em português, de conseguir escolher precisamente aquilo que se vai comer, de saber mais sobre os caminhos, de coisas como jogar xadrez em tabuleiro ou compartilhar alguns sonhos inalcançáveis. tive saudades estranhas nesta noite, que não caberiam ao texto, e por isso resolvi escrever. daqui, vou indo ao meu encontro, como havia de ser, mas ainda um pouco distante de algo palpável a que possa alcançar. e ei de? sabe-se lá, talvez. sou apenas uma formiguinha no mundo e a gente não devia se dar tanta importância assim. o desapego também é moral.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

o primeiro dia de viagem

na verdade, tudo começou há algum tempo. acho que foi há uns dois anos, um pouco menos ou mais. no fundo, acho que começou quando eu me comecei, quando me vim ao mundo. todos nascem para o mundo, afinal, como hoje me arrisco capaz de afirmar. essa viagem começou no dia 23 de maio de 2011. era aniversário da minha avó, os seus 80, e não, a escolha não foi por celebração à ela, com a licença permitida. decidi me celebrar naquela data. alguns vêm e vão, outros vêm e ficam, mas depois se vão, e quem fica mesmo, no final das contas, é a gente mesmo e olhe lá. redundante fosse, ou clichê, se não fosse assim tão hoje, real em vida, presente instante.

essa viagem começou quando eu a desejei, quando eu comecei a planejar algum dinheiro para que pudesse me confortar à escolha, começou no dia em que me separei, quando perdi alguns quilos, algumas roupas e alguns amigos, quando me distanciei dos meus melhores amigos quando estava apaixonado, quando estive em depressão, quando tomei coragem e me desliguei do emprego de salário bom ou quando reclinei diante de novas propostas deliciosas e tentadoras, começou no dia em que pisei pela primeira vez em Paris e chorei sozinho, quando fui à Nova York e não queria voltar, em todas as vezes que fui à São Paulo e me sentia vivo como aquele poema do Leminsky, quando pisei na Lapa e agradeci de joelhos por estar voltando pra casa, começou nas vezes em que estive na Ilha de Boipeba e na primeira vez que pisei na Serra do Cipó, mesmo há dez anos a algumas horinhas dela, tão bela e logo ali. começou quando fui à Praia da Estação pela primeira vez, quando o carnaval voltou, quando voltei à minha cidade natal e não podia mais chamá-la de minha, quando recebi a notícia que um amigo morava em Londres e outro em Lisboa, que outro esteve de licença da vida por tempo determinado, que um outro iria se casar em breve, que alguns estavam grávidos, quando comecei a namorar, quando em todas as vezes que fui, fui, fui, mas que depois me vim.

hoje o texto não é literário, pois o processo em si já é poesia pura. vou viajar o mundo, ou ao menos uma parte dele. prometi-me que não houvesse roteiros fixos, mas apenas desejos e motivações, que não houvesse produção ou reservas, mas apenas uma passagem de ida, que houvesse apenas uma mochila nas costas, alguns cigarros, muitos papeis e canetas, uma câmera fotográfica, algumas poucas roupas, um protetor solar, um repelente, uma toalha de microfibra que cabe no bolso, descobri outro dia, um chapéu e uma ceroula para que não morra de frio, meia dúzia de badulaques quaisquer e alguns cartões-postais não sei de onde para enviar com um sopro de vida aos meus queridos mais próximos. vou sem muitas promessas, sem muitos desejos aparentes, vou para encerrar algum tipo de gestalt, como uma amiga frisou outro dia, e me encontrar lá na frente, quem sabe. ando precisado de mim. ando precisado de ir. e acho até que já escrevi de tudo um pouco sobre isso, mas nada que se materializasse como esse agora me permite, então.

a viagem recomeçou ontem, quando tomei todas as vacinas obrigatórias. recomeçou na semana passada, quando decidi que iria visitar a minha prima-irmã na França e só de lá decidir o resto. recomeçou há pouco mais de um mês com as manifestações, com a ocupação da câmara, com as estranhezas de sempre do poder público e com a retirada de campo à força do tesão com algumas poucas coisas que ainda me faziam muito bem ou pelo menos me enganavam e me alimentavam. recomeçou quando hoje, pela manhã, acordei e tinha chegado uma revista baranguinha que insisto em assinar, mas que ao menos uma vez me fez muito sentido ao trazer em sua capa uma terra que nutro um desejo muito grande de visitar sob a chancela “seja feliz com 50 dólares por dia”. recomeçou quando uma amiga me mandou o link de um retiro budista, quando uma menina próxima morreu de tiro, com o debate da velha mídia com alguns dos meus pares, quando liguei para a minha mãe em uma pré-despedida, quando contei à namorada e aos amigos mais próximos. recomeçou outro dia, pois já não estou mais aqui, mesmo que doa, e quando recebi a cotação da passagem apenas de ida e ela coube no meu bolso. e os meus sonhos também.

terça-feira, 2 de julho de 2013

embora sim

embora, sim
não
insurge a lua?
talvez

não era abismo,
tampouco fundo
era o teu peito,
à beira-mar

e podes, sim
disse outro dia
abri-me pois,
nós dois

o amor, então
o ar preenche
à revelia,
ou à razão

queira ou possas 
não poupe aos dois,
faça-te sim,
ou então depois

em dose certa,
em posse asserta
em peito esmero,
em flor sincera

os olhos escusos,
não
outrossim, 
livrai o não!

permita-te em tom
em ecos, 
nas mãos
uns versos não vãos,

permita-te, enfim
em mim, assim
e vem além.
e vem agora.

depois também.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

delicadeza

sussurrava o vento coincidente.
silenciosos e em química,
encontramo-nos neste setembro.
é primavera!
e houve o toque.
a pele.
houve o impávido e suave acaso à porta,
o inesperado presente.
instantes.
o inevitável desejo à espreita:
revelação.
sentido antigo que esvai, sinto.
sentido antigo que esvai, vai...

existem flores do lado de lá,
talvez existam de cá também.
eu em busca de mim e da leveza impalpável,
ao encontro do meu corpo.
tu em busca de ti e da tua verdadeira face,
dos teus verdadeiros gestos,
do teu mais sincero e estúpido gozo.
límpido!
quero-te em pitadas. quero-te limpa. quero-te tua. 
queira-me como podes, ou como queres, ou como podes querer-me. 
nu.
queiramo-nos como pudermos ser: 
leves.

não há urgência. mas há sinais.
o corpo fala, diz muito.
tem vezes grita.
urra! _________,
sentido vem.
vem...
palavras-tom.
som!
queira-me em silêncio. querer-te-ei assim também.
não me prometa muito,
não me prometa nada,
mas lhe prometo vida.

apenas venha fresta e olha-me nos olhos,
beije-me o teu beijo vermelho, a tua boca vermelha,
os teus lindos lábios vermelhos.
suja-me todo e sinta-me em teu corpo.
tocar-te-ei sem cócegas, então,
como tocam o céu as andorinhas,
como os mais puros acordes arranham-te as costelas.
tocar-te-ei as entranhas até o gozo mais estúpido e límpido da tua alma,
vivo.
e olhar-te-ei enfim como olham os olhos mais possíveis desse impávido e suave acaso:
livres.

sinta-se no instante, deixe se impor sobre o tempo.
o tempo. o tempo. o tempo.
relógio-tempo.
entrega-me um conto e devolver-te-ei uma carta.
sinta-te em teu corpo e suja-te toda com os teus dedos,
olha-te em teu beijo e beije o teu próprio rosto com as tuas palavras doces,
a tua boca vermelha,
os teus lindos lábios vermelhos.
despeça-se viva e toque-se na medida mais estreme da leveza encontrada.
me encontrarás por lá também.

sintamos os sintomas.
sintamos.
sintomas.
uma flor do lado de cá,
uma rosa do lado de lá:
papeis em branco a preencher.
deixe impor-se tácito o tempo
no tempo, no tempo,
relógio-tempo.
e seja como for mesmo no breu do presente:
__________, nova!

escorra-me os teus beijos vermelhos, os teus lábios vermelhos,
a tua boca vermelha, o teu ventre vermelho.
escorra-me toda a delicadeza e a tua verdade impregnadas no teu corpo,
jorra-me!, goza-me!,
goza-me todo!
todo!
delicadeza!
limpa-te e goza-me o teu gozo mais estúpido e límpido sem a pressa de termos,
ou sem a pressa de sermos,
ou de tocarmos as nossas entranhas impalpáveis.
aceitemo-nos sem os espinhos do relógio-tempo no que nos há de melhor por agora,
impávidos.

chamemo-nos suave acaso, ao acaso, e sejamos então.
e enfim.
a urgência mata.
mata.
mata.
goza-me inteiro, 
e por agora.
______________!
dois pontos:

---

Poesia contemplada pelo Concurso Nacional Novos Poetas (Prêmio Sarau Brasil 2013).
A versão original já havia sido publicada neste blog, no final de 2012.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

o tempo de sentir


o tempo de sentir o meu corpo o teu corpo o teu beijo no meu é agora e agora estamos juntos e o nosso para sempre e para o todo hoje e sempre é portanto agora também e nesse agora nosso para sempre far-te-ei cheia de beijos carinhos respiros suspiros chamegos olhares e que a recíproca seja verdadeira porque te ter ao meu lado com a tua mão sobre a minha em qualquer hora do dia que conseguimos nos propor é algo que não havia planejado e se não fosse assim não havia então de ser tão bonito poético gostoso o nosso gozo junto ao encontro dos teus olhos e o teu toque singelo à minha nuca arranhando-me estreme o teu beijo doce grudado ao meu mas tinha de ser e é

quarta-feira, 24 de abril de 2013

fragmentos de um quase conto

... não viam-se há anos, mas a mulher movimentava-se sem repúdios ao encontro do rapaz como se nada lhes tivesse ocorrido e ele, um pouco em desencontro à sua fala mansa ao gosto amargo do espumante, recolhia-se inerte à cadeira desconfortável que obrigara a assentar-se ao lado de sua mãe. não acreditava, ou simplesmente não permitia-se acreditar à saudade dilacerada em seu guarda-roupa, mas ensaiava dizer o amor à sua maneira tímida de encarar as tolices do tempo, mesmo inábil às pernas que já não se moviam, porque afinal a admirava tanto quanto os belos poemas do Leminski que sempre lia aos alunos nas incansáveis tardes de estudo.

domingo, 31 de março de 2013

o que havia de lhe dizer


andavas a procurar o amor e acabei por encontrá-lo onde menos podia esperar por agora. estava guardadinho bem ali, junto ao peito. e ei de entregar-lhe, então, todas as palavras que não puderam de ser ditas antes. e hão de ser genuinamente belas. e sinceras. e todas tuas.

a estranha sala de espera

hoje eu acordei um pouco surdo por não entender um pouco cego por não enxergar um milímetro sequer adiante e um pouco maldito por não conseguir lembrar-me da noite passada eu acordei com o livro da Clarice em cima do peito eu não sonhei tampouco recordo como ou quando peguei no sono enquanto assistia l’amour e talvez por isso eu estivesse sentindo-me do avesso a observar as paredes vermelhas do quarto o lençol de muitos fios ainda amassado em ausência e as flores esquecidas no andar de baixo tomei todos os meus remédios entrei no banho estava frio muito frio dilacerava-me a ventarola que jorrava o vento estúpido usei todos os cremes esfoliantes à espera de algo escaldante subiram-se vapores quentes que deixavam-me excitado ao meu próprio toque mas desisti porque a saudade bateu e fui correndo para o telefone assentei-me ao sofá florido da sala acendi um cigarro observando os quadros falsos rachados na parede em silêncio zelado não atendeu achei estranho que isto pudesse ocorrer-me ao domingo vão não havia o que fazer sentia-me grogue e sem forças havia algo de muito estapafúrdio que me convidava a desistir da palavra doce das sílabas não entregues e então despedi-me de mim mesmo já era quase meio-dia eu queria vazar-me inóspito em minhas próprias mãos mas eu não tinha governo algum sobre isto escolhi o tênis vermelho surrado e uma blusa amarela descolada mas acho que no fundo eu iria apenas ao outro lado da rua e talvez voltasse com um sorriso qualquer no rosto a saudade batia forte e talvez insegura em pequenas lágrimas que enchiam-me os olhos e depois de enfrentá-la enfiei todas as angústias e as velhas manias na bolsa de couro velho acendi outro cigarro de filtro vermelho à procura do então e quando prestes a sair o telefone tocou

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

outro sonho

nesta noite, fui eu quem sonhou contigo. estávamos num show do Caetano, mas o show não era do Caetano. não sei bem qual era a cidade. acho que talvez o Rio, porque a gente adora o Rio, porque a gente ainda vai junto pro Rio. parecia-me a Bethânia, ou alguém muito parecido com a Bethânia?, e a música estava absurdamente alta. muito alta!. a sós, fugimos para comer um creme à beira-mar. estranhamente verde, muito embora delicioso. era tipo de abacate. e eu sempre soube que você não gostava de abacate, e por isso era estranho também ter de tentar compreendê-la, mas a gente meio que se lambuzou muito à tigela encontrada e depois entrou na água. olhava-te aos olhos, nus e belos como a margarida ao terreiro de mãe pela manhã, e você aos meus. a praia estava vazia ao breu da quase madrugada e não havia muitas ondas de modo que os corpos já não estranhos pudessem se tocar lentamente. tocava-me o sexo, tocava-te a alma. ardia-nos a urgência do infalível tato, do inevitável sentido à espreita. pele límpida em desejo vivo. éramos-nos como se jamais pudéssemos ter sido antes. e depois voltamos ao show, encharcados e demasiadamente leves vestidos em branco-neve como a parede do teu quarto, e dessa vez era você quem estava no palco no lugar da Bethânia, bonita, muito bonita, e estava também ao meu lado a dar-me suave as mãos macias a te vermos cantar. havia silêncio à volta, sim, mesmo impossível, e também um grito inerte ao peito que pedia-se livre. não me lembro muito do que veio depois, permita-me em licença, alguns sonhos costumam ter disso. mas sei que consegui entregar-te todas as flores no caminho de volta ao camarim. não eram muitas, talvez vermelhas, mas eram tuas. tuas!. e você nesta hora, como se desviando o olhar um pouco sem jeito em meio à multidão a mirar-se destemida aos meus lábios à espera do beijo que não pôde de ser entregue antes do sonho, bom, você apenas sorriu...

domingo, 6 de janeiro de 2013

dar-te-ei todas elas, enfim...

e então que não já há mais a folga da ausência encontrada ao campo. e há de haver algum dia?. das vísceras?. e assim torno-me à rotina estreme ao domingo vão de céu azul e poucas nuvens à janela ao canto do quarto vazio. os tragos acabaram-se, os muitos que me acompanhavam à ausência interrompida, e as cartas em despedida no estranho jogo de palavras soltas ao ano que esvai não puderam de lhe ser entregues porque não havia sinal. e havia de ter?. não recebi as respostas, também. e havia algo ainda de ser dito?. encontrei-as inertes junto ao corpo vazio. todas elas. estavam lá bem ao peito!. há um livro a entregar-te também à espera no tempo, ao ano que corre, ao conto que conto. e assim dar-te-ei novamente um dia todas as palavras, então. e hão de ser tuas?. torno-me hoje ao silêncio em rotina, sim!, não chora mais o céu as lágrimas de outrora. e entregar-te-ei junto aos sonhos, enfim, todas as flores no jardim do fundo à tua espera. e é-se então uma despedida?.