hoje eu acordei um
pouco surdo por não entender um pouco cego por não enxergar um milímetro sequer
adiante e um pouco maldito por não conseguir lembrar-me da noite passada eu
acordei com o livro da Clarice em cima do peito eu não sonhei tampouco recordo
como ou quando peguei no sono enquanto assistia l’amour e talvez por isso eu estivesse
sentindo-me do avesso a observar as paredes vermelhas do quarto o lençol de
muitos fios ainda amassado em ausência e as flores esquecidas no andar de
baixo tomei todos os meus remédios entrei no banho estava frio muito frio dilacerava-me
a ventarola que jorrava o vento estúpido usei todos os cremes esfoliantes à
espera de algo escaldante subiram-se vapores quentes que deixavam-me excitado
ao meu próprio toque mas desisti porque a saudade bateu e
fui correndo para o telefone assentei-me ao sofá florido da sala acendi um cigarro observando
os quadros falsos rachados na parede em silêncio zelado não atendeu achei estranho que isto pudesse
ocorrer-me ao domingo vão não havia o que fazer sentia-me grogue e sem forças havia algo de muito estapafúrdio que me convidava a
desistir da palavra doce das sílabas não entregues e então despedi-me de mim mesmo já era quase meio-dia eu queria vazar-me inóspito em minhas próprias mãos mas
eu não tinha governo algum sobre isto escolhi o tênis vermelho surrado e uma blusa
amarela descolada mas acho que no fundo eu iria apenas
ao outro lado da rua e talvez voltasse com um sorriso qualquer no rosto a saudade batia forte e talvez
insegura em pequenas lágrimas que enchiam-me os olhos e depois de enfrentá-la enfiei
todas as angústias e as velhas manias na bolsa de couro velho acendi outro
cigarro de filtro vermelho à procura do então e quando prestes a sair o telefone tocou
Nenhum comentário:
Postar um comentário