sábado, 20 de dezembro de 2014

fragmentos de um conto mais ou menos entregue

“...entrei no avião ainda em prantos e lembrando do exato momento em que Luísa piscou-me sem querer e fez nos encontrarmos, mesmo desatentos, e nos embriagamos em pequenos movimentos esquecidos no tempo, a sós, quase preparados para um pouco mais do inesperado encontro. eu ficaria longe por alguns meses, desta vez, e sabia que devia tentar esquecê-la, mas ela me permitia ser a melhor versão de mim mesmo e talvez fosse impossível, pois eu a amava tanto quanto ela amava tentar tocar o impossível com Magritte ou admirar-se com a primavera envolvente de Grant Wood.”

fumo tanto e, ainda assim, me falta um trago

tenho escrito pouco, em meus dias. tenho vivido pouco esses meus dias. alguns, bons. outros, nem tanto. benza deus, alguns me restam. e a eles me apego para seguir. quando tomo um café com broa, por vezes, os meus olhos brilham. o corpo treme, um calor suave domina os pulmões, projeto-me no imediato instante de ontem, que se transforma a cada dia em amanhã bem vivo. trabalho muito, conquisto um espaço que já não era meu. mas, quem era eu? ainda me busco entre os céus azuis de outrora, as palavras perdidas no tempo, a parede amarela, o quadro vermelho, os desejos interrompidos, o conto que não pôde lhe ser entregue, a vontade abrupta do toque. tenho escrito pouco, mas pensado muito. e às vezes dói o tanto que penso e brigo comigo e não consigo traduzir em palavras. te decifrar era preciso. e logo eu, que um dia me achei tão bom nisso, vejo-me outra vez entregue à loucura. estou preso em mim e fugindo do único direito que permitiram em vida. mas ainda é tempo de lhe salvar e, assim, me salvarei também.

eu quero não morrer

tem vezes que não escrevo o que penso
o que quero, tanto
o não dizer:
G-R-I-T-A!!!
tem vezes que prefiro morrer, mesmo aos poucos
dilacerado
é hora de me salvar de mim: o ano novo já vem

domingo, 10 de agosto de 2014

a festa do adeus

há alguns anos, decidi mudar a minha vida. pedi demissão de um emprego bom, realizei projetos que me deram mais tesão, fiz novos amigos, me desfiz de outros, decidi viajar. enfiei alguns sonhos na mala e vim. nessa viagem, já dei banho em elefante, ensinei inglês para monges no Laos, ganhei algumas tatuagens, aprendi culinária balinesa, usei sarong e joguei xadrez em indonésio, dormi sob uma coberta de estrelas no deserto, fui passado para trás no Camboja, peguei protestos em Istambul e um golpe militar na Tailândia, passei um mês numa ilha paradisíaca depois de um acidente quase horrível de moto. tento me comunicar em um inglês mais ou menos y hablo un portuñol terrível, falo algumas palavras em tailandês, khmer, laossiano, balinês, híndi e até arranho um tim-tim em sueco, alemão ou francês.

no começo, eu talvez pensasse apenas em largar tudo por um tempo, romper com o primeiro ciclo de vida. lá se vão onze meses, quatorze países. e, quando eu comecei a ficar um pouco cansado de templos, museus e lugares, quando já não dava mais conta de apenas contemplar, decidi estacionar na Índia. e foi ali em Rishikesh, logo ali na beira do Ganges, que conheci pessoas fundamentais à minha caminhada e acabei me conhecendo um pouco mais, também. lembrei que tinha um sonho guardado no cantinho de alguma gaveta esquecida na estrada, tirei o rascunho da bolsa e vomitei. dispensei as maiúsculas e escrevi quase todos os contos em primeira pessoa. eu disse adeus.

e agora que venha a festa, um novo ciclo ou o que tiver de vir. é o fim do começo ou o começo do fim, é o encerramento de um processo duro e doce, de uma entrega vermelha ou amarela demais pro meu gosto, a quarta linha no meu braço esquerdo. é o fim de uma etapa ou de outra vida, é passagem e é também uma vinda, como diria o bom mestre Cartola. é o que me faz seguir.

são onze textos para serem lidos em poucas horas. são onze passagens sobre a urgência dos relacionamentos do nosso tempo. são onze vidas ou onze mortes. são onze festas ou onze adeus. são onze motivos estúpidos para serem jogados ao fundo do armário. são onze narrativas inúteis que falam muito de mim, de você, de todos nós. são onze contos que querem dizer o amor à sua maneira, mas que também não dizem nada.

lançar essa "festa do adeus" me deixa muito feliz. e não apenas pelo livro em si, mas porque aqui inicio também a lenta caminhada de volta pra casa. da viagem, vem outro livro depois, das histórias que estou vivendo por aqui. volto para casa em breve, e longe de estar pleno ou esnobe, mas devorado por uma ansiedade em entender o que se apresenta depois do depois do adeus.